São Paulo, sábado, 15 de abril de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

Infocrimes e responsabilidade na Internet

GERALDO FACÓ VIDIGAL

A última revolução dentro da informática é o acesso gratuito à rede mundial, praticado por alguns provedores e bancos, que oferecem esse serviço a sua clientela. A competição entre os provedores de acesso tornou simples e grátis o acesso à rede, popularizando rapidamente esse revolucionário instrumento de comunicação coletiva.
Pela Internet pode-se comprar, vender, oferecer toda espécie de serviço, trocar correspondências, informações e idéias, tudo em tempo real e de forma mais barata e rápida do que jamais foi possível, já que os custos de manutenção de um site são muito inferiores aos de uma loja fisicamente estabelecida. Sem esses custos, é possível oferecer produtos e serviços a preços inferiores àqueles que a concorrência tradicional pode praticar. Por isso mesmo, leis internas e internacionais estão sendo redigidas e adotadas em todos os países e blocos econômicos do planeta, dentro de uma lógica comum, para proteção dos indivíduos e da comunidade.
As vantagens evidentes do sistema serão incorporadas aos usos e costumes da população, em decorrência dos ganhos em qualidade, preço, comodidade e eficiência que a forma eletrônica de negociações pode oferecer. O temor de utilização dos cartões de crédito será superado pelos usuários da rede: cartões de compra ou de negociação eletrônica já existem, transferindo o risco para empresas ou profissionais; outros sistemas de pagamento estão sendo imaginados e criados; sistemas confiáveis de segurança e de certificação de sites estão à disposição dos usuários da Internet. O comércio eletrônico é uma realidade. Os usuários, é absolutamente certo, irão incorporar com rapidez a suas culturas as formas seguras de negócio eletrônico. Além disso, esse sistema trabalha em prol da democracia, já que permite a livre troca de idéias e informações entre pessoas distantes, com acesso à rede, sem possibilidade de censura por parte de governos ou sistemas políticos.
Os novos problemas deverão ser enfrentados com rapidez. Entidades de defesa do consumidor deverão voltar-se para o controle da qualidade dos bens e serviços oferecidos por intermédio da rede eletrônica. Bancos centrais deverão preocupar-se com novos sistemas de financiamento, de troca eletrônica de moedas e de pagamentos on line, que podem vir a ameaçar os sistemas existentes de controle da base monetária.
A lavagem de dinheiro pela Internet necessita ser coibida. Dificulta-se a ação policial pela utilização de cadastros falsos nos registros em provedores, roubo de senhas ou cibercafés, maneiras pela qual agem hackers e criminosos. Em casos em que não há registro do usuário, a polícia busca localizar a linha da qual é feito o acesso a determinado ponto. Esse tipo de identificação só é possível se o criminoso voltar ao local do crime, ou seja, se vier a conectar-se novamente, sob certas condições. Exemplo recente ocorreu quando conhecido empresário brasileiro foi acusado de ter cometido crime eletrônico, tendo sido localizado apenas porque acessou novamente seu e-mail anônimo. Se não o tivesse feito, nunca teria sido encontrado.
A nova era da intercomunicação traz problema gravíssimo, ainda não debatido. A Internet é alvo de nova espécie de bandido, o infocriminoso, que acredita-se impune por agir anonimamente. Chegar a esses criminosos não é tão difícil como pode parecer, desde que certos fatos estejam sob controle. A conexão à rede se dá por meio de um protocolo, denominado IP (Internet Protocol), e cada provedor tem números próprios, concedendo a seus usuários números IP subordinados ao seu. Rastreado o IP do criminoso (o que é simples), chega-se a seu provedor. Mediante ordem judicial, é então possível obter o cadastro do infocriminoso, que pode então ser detido.
Neste exato momento, provedores gratuitos, ao oferecer seus serviços, deixam à disposição dos usuários uma senha coletiva e um único nome de usuário, sendo seu número telefônico de conhecimento público. E é exatamente aí que a gravidade da questão se apresenta. Os provedores de acesso podem parar de guardar registros individuais dos seus usuários, visto não mais necessitar deles para cobrar dos usuários. Da mesma forma, não têm mais interesse econômico em manter registros dos acessos dos usuários. Embora o cadastro obtido de seus usuários tenha valor econômico e os provedores gratuitos procurem mantê-lo atual, a guarda dos registros de acesso dos usuários é, para eles, cara e inútil. Portanto cancelam-se rapidamente esses registros.
Hoje qualquer pessoa pode entrar anonimamente na Internet com objetivos criminosos, com mínima chance de identificação, pois não há mais segurança quanto à existência de cadastros de nome ou endereço do usuário e seus acessos. Instrumentos eficazes de combate ao crime devem ser criados. Entidades de certificação, autorizadas pelo Estado na forma do art. 174 da Constituição, devem certificar registros internos de sistemas e assinaturas eletrônicas em documentos e contratos, de forma a que sejam aceitos pela Justiça, dando maior segurança ao sistema de intercomunicação e contratação eletrônica.
O fato é extremamente grave e merece regulação imediata, até por medida provisória, determinando aos provedores de acesso à Internet que mantenham em seus sistemas os cadastros individuais de seus usuários e, durante certo período, os registros de acesso e identificadores de chamada nas linhas de acesso. É necessário exigir dos provedores a manutenção desses cadastros e registros, visando preservar os macrointeresses da nova e-sociedade, prosseguindo-se já na evolução segura das comunicações virtuais, já na do comércio eletrônico e sua função social de gerar e distribuir riquezas, empregos e proporcionar a disseminação do conhecimento, para o bem comum.


Geraldo Facó Vidigal, 47, advogado, doutor em direito pela USP, é conselheiro e presidente da Comissão de Legislação, Doutrina e Jurisprudência da OAB/SP e vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo-Iasp.
E-mail: geraldo@vidigal.net


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