São Paulo, quinta-feira, 15 de abril de 2004

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INTEGRAÇÃO

Países envolvidos na negociação desmentem teoria publicada pelo "FT"

Jornal vê conspiração UE-Mercosul

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS

A manchete principal do jornal britânico "Financial Times" rompeu ontem a mansa rotina do acordo entre a União Européia e o Mercosul, para constituir uma área de livre comércio que seria a maior do mundo.
"Bruxelas conspira para ganhar rodada comercial", gritava o título da capa desse jornal que é a Bíblia para a comunidade de negócios e, em menor medida, também para o mundo diplomático. Para emprestar ainda mais força ao título, o texto levava a assinatura de Guy de Jonquières, especialista em comércio e ele próprio uma instituição dentro da instituição que é o "Financial Times".
Logo que o jornal chegou às missões diplomáticas em Bruxelas, telefonemas agitados foram trocados entre os embaixadores do Mercosul. A idéia de um complô era delicada, na medida em que insinuava que os países do Sul fechariam um acordo com a União Européia, que envolveria algumas concessões agrícolas, mas, em contrapartida, os levaria a abandonar o G20, o grupo de países em desenvolvimento liderado pelo Brasil que trata de arrancar concessões agrícolas em outro âmbito (o da Organização Mundial do Comércio).
De Jonquières chegava a dizer que a proposta européia representava, na prática, "a compra de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com a oferta de concessões comerciais preferenciais".
Como toda teoria conspiratória, esta precisava ser verossímil para prosperar. Era. A própria Folha já havia mostrado, na edição de ontem, embora despindo-a de qualquer tom conspiratório, que a proposta européia era uma "isca astuciosa".
Por quê? Primeiro, é preciso explicar a oferta agrícola que se supõe que os europeus farão. Ela deve ter duas etapas: na primeira, os europeus abrem um certa parte de seu mercado já, mas deixam o restante na dependência do que vier a ser acertado no âmbito global, ou seja, na chamada Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio.
Exemplo concreto: se a UE tiver necessidade de importar 100 toneladas de carne, reservará desde já 30 toneladas, por hipótese, para o Mercosul. As outras 70 ficariam para os demais países-membros da OMC, mas com a perspectiva de um montante adicional para o Mercosul.
Se verdadeira essa oferta, o Mercosul poderia se tornar um aliado dos europeus nas negociações globais, em que os dois blocos têm colidido freqüentemente, porque ganharia uma garantia prévia de que será beneficiado pelas concessões européias.
Como é natural nessas ocasiões, as duas partes envolvidas desmentiram rotundamente a teoria da conspiração.
O embaixador do Brasil junto à UE, José Alfredo Graça Lima, tem até argumentos que, de fato, enfraquecem a idéia de complô.
Diz que o acordo UE-Mercosul trata acima de tudo de acesso a mercado, o jargão diplomático para designar redução ou eliminação de tarifas de importação. Já o G20 defende, principalmente, a redução e/ou eliminação dos dois outros pilares do protecionismo agrícola, quais sejam os subsídios internos e à exportação.
Portanto, mesmo que haja acordo com a Europa para ampliar o mercado para bens agrícolas do Mercosul, ele não interferiria com as principais reivindicações do G20 no âmbito da OMC.
Já Gregor Kreuzhuber, porta-voz do comissário europeu para Agricultura, o austríaco Franz Fischler, prefere ser direto: "A idéia de dividir o G20 é incorreta e não faz sentido".
Para o porta-voz de Fischler, a negociação com o Mercosul vem sendo conduzida de "forma totalmente transparente". Acrescenta: "Um acordo entre a duas partes seria bom para ambas, o que não significa que a União Européia não esteja totalmente comprometida com o êxito da Rodada Doha. Uma coisa não exclui a outra".
Por conta da suposta conspiração ou não, o fato é que se instalou ontem uma certa confusão em torno da troca de ofertas melhoradas entre UE e Mercosul.
Dois funcionários da Comissão Européia, o braço executivo do conglomerado de 15 países (serão 25 a partir do dia 1º), chegaram a confirmar que as ofertas seriam apresentadas na sexta-feira.
Mas, no fim da tarde, ninguém mais dava certeza alguma.
O que havia de concreto é que as propostas dos quatro países do Mercosul haviam sido canalizadas para Buenos Aires, já que a Argentina é a presidente de turno do bloco sulista. Uma vez consolidadas, seriam encaminhadas a Bruxelas.
Do lado europeu, o eventual adiamento da troca de ofertas era explicada com duas hipóteses:
1) A União Européia quer ter certeza prévia de que sua oferta agrícola será aceita pelo Mercosul.
2) Os europeus gostariam de que a proposta do bloco sulista para compras governamentais oferecesse acesso a mercado (ou seja, abrisse aos europeus a possibilidade de participar em concorrências públicas nos quatro países do Mercosul em igualdade de condições com os locais).
A proposta do Mercosul tratará de "transparência" nas licitações, mas não de acesso a mercado.


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