|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
INTEGRAÇÃO
Países envolvidos na negociação desmentem teoria publicada pelo "FT"
Jornal vê conspiração UE-Mercosul
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS
A manchete principal do jornal
britânico "Financial Times" rompeu ontem a mansa rotina do
acordo entre a União Européia e o
Mercosul, para constituir uma
área de livre comércio que seria a
maior do mundo.
"Bruxelas conspira para ganhar
rodada comercial", gritava o título da capa desse jornal que é a Bíblia para a comunidade de negócios e, em menor medida, também para o mundo diplomático.
Para emprestar ainda mais força
ao título, o texto levava a assinatura de Guy de Jonquières, especialista em comércio e ele próprio
uma instituição dentro da instituição que é o "Financial Times".
Logo que o jornal chegou às
missões diplomáticas em Bruxelas, telefonemas agitados foram
trocados entre os embaixadores
do Mercosul. A idéia de um complô era delicada, na medida em
que insinuava que os países do Sul
fechariam um acordo com a
União Européia, que envolveria
algumas concessões agrícolas,
mas, em contrapartida, os levaria
a abandonar o G20, o grupo de
países em desenvolvimento liderado pelo Brasil que trata de arrancar concessões agrícolas em
outro âmbito (o da Organização
Mundial do Comércio).
De Jonquières chegava a dizer
que a proposta européia representava, na prática, "a compra de
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com a oferta de concessões
comerciais preferenciais".
Como toda teoria conspiratória,
esta precisava ser verossímil para
prosperar. Era. A própria Folha já
havia mostrado, na edição de ontem, embora despindo-a de qualquer tom conspiratório, que a
proposta européia era uma "isca
astuciosa".
Por quê? Primeiro, é preciso explicar a oferta agrícola que se supõe que os europeus farão. Ela deve ter duas etapas: na primeira, os
europeus abrem um certa parte
de seu mercado já, mas deixam o
restante na dependência do que
vier a ser acertado no âmbito global, ou seja, na chamada Rodada
Doha da Organização Mundial do
Comércio.
Exemplo concreto: se a UE tiver
necessidade de importar 100 toneladas de carne, reservará desde
já 30 toneladas, por hipótese, para
o Mercosul. As outras 70 ficariam
para os demais países-membros
da OMC, mas com a perspectiva
de um montante adicional para o
Mercosul.
Se verdadeira essa oferta, o Mercosul poderia se tornar um aliado
dos europeus nas negociações
globais, em que os dois blocos
têm colidido freqüentemente,
porque ganharia uma garantia
prévia de que será beneficiado pelas concessões européias.
Como é natural nessas ocasiões,
as duas partes envolvidas desmentiram rotundamente a teoria
da conspiração.
O embaixador do Brasil junto à
UE, José Alfredo Graça Lima, tem
até argumentos que, de fato, enfraquecem a idéia de complô.
Diz que o acordo UE-Mercosul
trata acima de tudo de acesso a
mercado, o jargão diplomático
para designar redução ou eliminação de tarifas de importação. Já
o G20 defende, principalmente, a
redução e/ou eliminação dos dois
outros pilares do protecionismo
agrícola, quais sejam os subsídios
internos e à exportação.
Portanto, mesmo que haja acordo com a Europa para ampliar o
mercado para bens agrícolas do
Mercosul, ele não interferiria com
as principais reivindicações do
G20 no âmbito da OMC.
Já Gregor Kreuzhuber, porta-voz do comissário europeu para
Agricultura, o austríaco Franz
Fischler, prefere ser direto: "A
idéia de dividir o G20 é incorreta e
não faz sentido".
Para o porta-voz de Fischler, a
negociação com o Mercosul vem
sendo conduzida de "forma totalmente transparente". Acrescenta:
"Um acordo entre a duas partes
seria bom para ambas, o que não
significa que a União Européia
não esteja totalmente comprometida com o êxito da Rodada Doha.
Uma coisa não exclui a outra".
Por conta da suposta conspiração ou não, o fato é que se instalou
ontem uma certa confusão em
torno da troca de ofertas melhoradas entre UE e Mercosul.
Dois funcionários da Comissão
Européia, o braço executivo do
conglomerado de 15 países (serão
25 a partir do dia 1º), chegaram a
confirmar que as ofertas seriam
apresentadas na sexta-feira.
Mas, no fim da tarde, ninguém
mais dava certeza alguma.
O que havia de concreto é que as
propostas dos quatro países do
Mercosul haviam sido canalizadas para Buenos Aires, já que a
Argentina é a presidente de turno
do bloco sulista. Uma vez consolidadas, seriam encaminhadas a
Bruxelas.
Do lado europeu, o eventual
adiamento da troca de ofertas era
explicada com duas hipóteses:
1) A União Européia quer ter
certeza prévia de que sua oferta
agrícola será aceita pelo Mercosul.
2) Os europeus gostariam de
que a proposta do bloco sulista
para compras governamentais
oferecesse acesso a mercado (ou
seja, abrisse aos europeus a possibilidade de participar em concorrências públicas nos quatro países
do Mercosul em igualdade de
condições com os locais).
A proposta do Mercosul tratará
de "transparência" nas licitações,
mas não de acesso a mercado.
Texto Anterior: Luís Nassif: A China e o Brasil Próximo Texto: Frase Índice
|