São Paulo, Quinta-feira, 15 de Abril de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

O Banco Central e a CPI

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Anteontem, o presidente da República declarou: "Não se pode jogar pedras ou condenar o Banco Central (BC), pois a instituição precisa ser preservada. Não pode ser vítima de rumores ou boatos. Isso desmoraliza a própria moeda".
Ao mesmo tempo, o governo se movimenta para domesticar a CPI instalada ontem no Senado, com o intuito de impedir que as suas investigações prejudiquem a credibilidade do sistema financeiro dentro e fora do país.
No entanto o que realmente prejudica a imagem e a credibilidade do BC e do sistema financeiro brasileiro como um todo é a falta de transparência, de regras adequadas e de prestação de contas. É a relutância, tantas vezes demonstrada, em apurar as denúncias que vieram a público nos anos recentes e em explicar de forma detalhada e convincente as intervenções que o BC realizou no âmbito do Proer e por outros meios.
Se a CPI servir para uma discussão e apuração fundamentadas desses problemas, identificando eventuais responsabilidades, estará contribuindo para o fortalecimento do BC e do resto do sistema financeiro.
Os graves problemas recentes apenas confirmaram o que se sabia há muito tempo: as relações entre o BC e os bancos precisam ser submetidas a uma investigação cuidadosa, para proteger o interesse público de abusos e da tendência arraigada à socialização de prejuízos. Ficou patente, também, que faltam transparência e mecanismos de prestação de contas nas relações das instituições financeiras com os seus clientes e investidores, muitos dos quais foram pesadamente prejudicados pela crise cambial iniciada em janeiro.
Note-se que o episódio Marka é apenas parte, e parte relativamente pequena, da transferência de perdas para o setor público. Já se delineia uma certa tendência, conveniente para o governo e alguns interesses, de concentrar as atenções dos meios de comunicação no caso desse pequeno banco, que não existe mais, e na possível responsabilidade de um ex-presidente do BC.
Mas não se pode perder de vista que a origem imediata dos problemas que estarão sob exame da CPI foi a insistência do BC em defender, com apostas pesadíssimas, uma taxa de câmbio sobrevalorizada e um regime cambial inviável. O que acabou acontecendo, outra vez, foi uma tremenda socialização de prejuízos, processo que ainda está por merecer uma explicação mais completa.
Nos meses anteriores à crise de janeiro, ocorreu crescimento da dívida externa bruta do setor público, da dívida pública interna indexada ao dólar e dos compromissos do governo no mercado futuro de câmbio, além de acentuada queda das reservas internacionais. Quando veio a explosão do câmbio, a dívida efetiva do governo em moeda estrangeira já havia aumentado muito.
O outro lado dessa moeda foram os lucros extraordinários, no início do ano, de bancos privados que detinham títulos federais indexados ao dólar e posições compradas no mercado futuro de câmbio. A julgar pelas informações disponíveis, as poucas instituições financeiras que tinham posições vendidas de câmbio futuro foram socorridas a preços camaradas pelo BC...
Dados divulgados anteontem pelo BC confirmaram que, em janeiro e fevereiro, a dívida líquida do setor público como um todo cresceu de forma espetacular, passando de R$ 389 bilhões para R$ 501 bilhões. Como proporção do PIB, a dívida pública líquida saltou de 42,6% para 51,9%. Um gigantesco "desajuste fiscal"!
É claro que, com a valorização do real, desde março, grande parte desse aumento será invertido. Mas a CPI terá obrigatoriamente de investigar a maneira pela qual o BC e os bancos se conduziram durante a crise cambial.
Uma das funções fundamentais de qualquer BC é atuar como emprestador de última instância para o sistema financeiro. Em geral, o BC exerce, também, funções relacionadas à supervisão e à regulamentação dos bancos e outros intermediários financeiros. Para poder desempenhar essas atribuições de forma adequada e merecer a confiança da sociedade, o BC do Brasil não pode continuar funcionando da forma como tem funcionado.
O BC deve operar, sempre que possível, de forma transparente e de acordo com regras claras. Deve sempre prestar contas de sua atuação e apurar, sem tergiversações, as denúncias que chegam ao seu conhecimento.
Essa é a única maneira de conquistar e preservar o respeito e o apoio da opinião pública, elementos indispensáveis para o bom funcionamento de qualquer banco central.


Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net


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