São Paulo, Quinta-feira, 15 de Abril de 1999
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LUíS NASSIF

O Judiciário mínimo

Autor de um trabalho de fôlego sobre as atuais propostas de reforma do Judiciário, o professor Andrei Koerner -doutor em Ciência Política pela FFLCH/USP, autor de "Judiciário e Cidadania na Constituição da República Brasileira" (Editora Hucitec)- identifica três linhas de pensamento em relação à reforma do Judiciário: a) a corporativo-conservadora; b) a do "judiciário mínimo" e c) a do "judiciário democrático".
Na coluna de hoje exponho a maneira como ele vê o "judiciário mínimo".
Essa linha defende a simplificação da organização judiciária, em dois sentidos: eliminando-se a Justiça do Trabalho e a Justiça Militar enquanto ramos autônomos do Poder Judiciário e extinguindo-se os tribunais superiores. Essas propostas constam de projeto de lei apresentado ao Congresso pelo deputado Werner Wanderer (PFL-PA) e são defendidas por Antônio Álvares da Silva, juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais.
Os valores que norteiam essa escola são a rapidez e a segurança das decisões, necessárias à integração do país à economia globalizada.
Pela proposta de Álvares da Silva, o Judiciário seria composto por uma estrutura administrativa em âmbito estadual, com órgãos de direção e carreira unificados. A Justiça do Trabalho deveria sofrer uma radical mudança em sua estrutura, que -em sua opinião- é cara, burocratizada e formal. Os contratos de trabalho são relações de direito privado como quaisquer outras e devem ser julgados como tais, diz Álvares da Silva. Apenas em virtude do número de conflitos que eles geram é que deveriam ser julgados por órgãos especializados.
Ele propõe que as controvérsias trabalhistas deveriam ser analisadas em primeiro lugar por um conselho de empresa ou comissão de fábrica, que promoveria a conciliação das partes, com caráter definitivo, sendo homologada pela Justiça do Trabalho. Os conselhos seriam formados por representantes dos empregados e patronais e teriam como vantagem a proximidade das testemunhas, dos documentos e dos fatos.
Caso não houvesse acordo no conselho, o conflito seria levado para os Juizados Especiais de Causas Trabalhistas, com recursos apenas a respeito de matéria jurídica para câmaras de juízes, compostas por membros dos próprios juizados especiais, os quais profeririam julgamentos definitivos em matéria trabalhista.
Com isso, seriam extintos todos os tribunais regionais e o Tribunal Superior do Trabalho.
Álvares da Silva também propõe que o poder normativo da Justiça do Trabalho seja substituído pela negociação coletiva, realizada por sindicatos organizados livremente.

Estrutura dos tribunais
Pela proposta, ainda, o PJ deveria ser limitado a um juiz de primeira instância e um tribunal de revisão em segundo grau que desse a solução definitiva do caso. Os tribunais superiores -destinados a uniformizar a interpretação da lei dos tribunais de todo o país- seriam extintos, considerando, segundo ele, que não atendem às finalidades para as quais foram criados. Não tem sentido, para ele, pensar em unificação nacional da jurisprudência -diz ele- , pois esta limita o poder de interpretação do juiz, que não pode julgar segundo a equidade.
O Poder Judiciário seria unificado numa única estrutura, organizada no âmbito dos Estados, dividido apenas em seções especializadas de direito privado, direito público, direito penal e social (compreendendo o direito do trabalho e da Previdência Social). As Justiças Federal e do Trabalho seriam incorporadas a esse Poder Judiciário, e o STF, transformado em corte constitucional, com juízes com mandato por tempo limitado.
Koerner levanta objeções a essa proposta, especialmente quanto à extinção dos tribunais superiores e à unificação do Judiciário numa estrutura única. Em alguns Estados -diz ele, com razão- é precário o respeito à independência externa dos juízes. Qual seria o controle da obediência às garantias constitucionais e da qualidade técnica da interpretação da lei dos julgamentos proferidos por esses tribunais? Nos Estados Unidos, foi com a utilização de recursos à Justiça Federal que se impulsionou o respeito à Constituição Federal pelos juízes e tribunais estaduais, lembra ele.
Entre as virtudes da proposta de Álvares da Silva, Koerner aponta o princípio da especialização funcional, substituindo o da diferenciação estrutural, que atualmente divide o Poder Judiciário em diversos ramos, com seus próprios órgãos dirigentes e seus próprios serviços de apoio. Com isso, poderia de fato ocorrer a incorporação das Justiças do Trabalho e Militar à Justiça Federal, transformadas em seções ou divisões especiais desta. Do mesmo modo, a Justiça Eleitoral deveria tornar-se uma seção especial, ocupada em caráter permanente por juízes e pessoal de apoio.
Quanto aos tribunais superiores -diz ele-, poderiam ser fundidos e organizados num único tribunal, com divisões especializadas. Esse tribunal poderia selecionar os recursos a ser julgados, para evitar a sua sobrecarga, e suas decisões a respeito da interpretação da lei seriam formuladas enquanto súmulas, ou enunciados, que serviriam como precedentes com valor indicativo para a interpretação e não com efeito vinculante para os juízes e como critério impeditivo de recurso.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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