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LUÍS NASSIF
Uma mágica
à brasileira
Uma das características
culturais mais marcantes
do pensamento público e intelectual brasileiro é um modelo
mental que poderia ser descrito sucintamente assim: se tenho um objetivo a ser alcançado, que exige etapas complexas de construção, instituo o
objetivo por decreto, e as demais etapas serão construídas
por conseqüência.
O Plano Cruzado foi típico
desse pensamento mágico.
Havia uma inflação inercial.
A indexação fazia com que
houvesse um preço nominal
dos produtos (aqueles fixados
semanalmente ou diariamente) e um preço real (a variação
do preço em relação aos demais preços da economia). O
primeiro era alto; o segundo,
baixo. Então tratava-se de trocar as moedas, para que os
preços reais substituíssem os
nominais.
Para ser bem-sucedido, teria
que haver uma âncora cambial, o que pressupunha comércio exterior livre, permitindo a importação de produtos que combatessem altas especulativas; política cambial
flexível, permitindo enfrentar
desequilíbrios nas contas externas; política monetária flexível, eliminando a indexação; contas públicas em ordem, impedindo pressões decorrentes do fim do imposto
inflacionário; trabalho prévio
de saneamento do sistema financeiro, pois bancos podres
quebrariam com o fim da inflação.
Muita coisa? Então troque-se a moeda e acabe-se com a
inércia inflacionária no curto
prazo que as demais condições
serão criadas como conseqüência da força política obtida pela vitória inicial.
O caso dos 50% das vagas
das universidades federais para egressos das escolas públicas é da mesma natureza. O
ensino público é fraco, não
permite a inclusão social, por
não preparar os alunos para
disputar vagas nas universidades em igualdade de condições com os da rede privada.
Em vez de um trabalho continuado, com ferramentas de
planejamento para melhorar
o ensino público, identificar e
preparar os melhores alunos,
estabelece-se a igualdade por
decreto. E a universidade pública, que permaneceu centro
de excelência do país, apesar
da falta de verbas e de gestão,
receberá o último tiro em sua
credibilidade.
Pertence a essa filosofia tupiniquim a proposta da dupla
Pérsio Arida-Edmar Bacha de
abrir mão de todas as formas
de controle do câmbio, para
reduzir o risco Brasil. Os juros
para as grandes corporações
são uma soma das taxas internacionais, mais o risco de crédito (no qual se avalia a empresa para quem vai se emprestar) e o risco soberano (em
que se avalia a capacidade do
país de ter dólares para fazer
frente às remessas para pagamento do crédito internacional). O risco soberano é função
direta da desconfiança que os
investidores têm sobre a sustentabilidade de um modelo
que torna a economia dependente de fluxos de capitais especulativos.
Em vez de um conjunto de
ações e processos que invertessem definitivamente esse receio, o que a dupla propõe?
Que se garanta, por decreto,
que o bombeiro abdicará de
seu direito de utilizar extintores em caso de incêndio. Graças a essa "sacada", o distinto
público internacional acreditará que os temores de incêndio estarão definitivamente
afastados.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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