São Paulo, sábado, 15 de maio de 2004

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COMÉRCIO EXTERNO

Países ricos colocam grupo na defensiva

G20 se consolida, mas é cobrado a apresentar proposta sobre tarifa

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

O G20, o grupo de países em desenvolvimento que luta para derrubar o protecionismo agrícola do mundo rico, sofreu uma barragem de críticas e pressões ao ser criado, em agosto do ano passado, mas sobreviveu, consolidou-se e tornou-se até membro do que a mídia especializada está chamando de FIP (sigla em inglês para Cinco Parceiros Importantes).
Os FIPs seriam Brasil e Índia, criadores do G20, Estados Unidos, União Européia e Austrália.
Mas pertencer ao clube tem seu preço: o G20 foi colocado na defensiva por EUA e UE, que cobram do grupo a apresentação de sua própria proposta para derrubar as tarifas de importação, na medida em que rejeita a oferta defendida pelos ricos.
Essa cobrança acabou sendo a tônica da reunião miniministerial de ontem em Paris, entre 28 dos 148 países-membros da OMC (Organização Mundial do Comércio), na enésima tentativa de ressuscitar a Rodada Doha, lançada em 2001 na capital do Qatar.
O chanceler brasileiro Celso Amorim de certa forma até festeja a cobrança, ao dizer que "houve um esforço para desmontar o grupo e para desacreditar suas propostas". "Hoje, há um reconhecimento universal de que o G20 é indispensável para que a rodada seja concluída."
De fato, o reconhecimento agora é feito até por Franz Fischler, o comissário (uma espécie de ministro) europeu para Agricultura, que, quando o G20 nasceu e fez suas propostas, fulminou-as dizendo que o grupo estava "pedindo o céu". Provocado pela Folha, Fischler disse ontem que o G20 desceu das alturas: "Estamos vivendo na mesma atmosfera. O G20 é muito importante, e sua atitude é muito mais construtiva".
Robert Zoellick, responsável pelo comércio exterior dos EUA, que atacou o G20 em artigo para o jornal britânico "Financial Times", não repete agora as críticas, mas mantém a cobrança: "Gostaria de acreditar que meus artigos os encorajaram a desempenhar um papel construtivo. Agora, precisam dar um passo que é crucial para a negociação: mudar o foco dos subsídios à exportação e ao apoio interno para ver o que, juntos, podemos fazer em matéria de acesso a mercado".
A frase de Zoellick acaba sendo também uma definição do estágio da negociação na área agrícola, que é a chave da Rodada Doha: mais ou menos desenhada a moldura (apenas a moldura, não o quadro final) em matéria de subsídios internos e à exportação, o nó a desfazer é a questão de acesso a mercado, o jargão comercial para designar redução das tarifas de importação (ver quadro).
O G20 rejeita a proposta de redução apoiada pelos países ricos porque, como diz Amorim, "trata-se de uma licença para não fazer nada". Mas não apresentou até agora sua própria fórmula.
"Vamos trabalhar duro nos próximos 10 ou 15 dias para formular uma proposta capaz de não apenas atender nossos interesses mas também de cobrir as brechas entre os diferentes parceiros", promete o chanceler brasileiro.
"Espero ansiosamente as idéias deles", responde Zoellick, com uma pitada de ironia.

Janela e inverno
A referência aos próximos 10 ou 15 dias se deve ao fato de que, no dia 2, reúne-se outra vez, em Genebra, o Comitê de Negociações Agrícolas, a arena em que se deve dissolver o nó na área. Se até lá não houver uma proposta capaz de agradar a todas as partes, fecha-se o que os negociadores vêm chamando de "uma janela de oportunidade".
Diz, por exemplo, o diretor-geral da OMC, Supachai Panitchpakdi: "Se negligenciarmos na alimentação do atual impulso político, corremos o risco muito real de perder não apenas este ano mas possivelmente boa parte do próximo anos também".
Reforça Pascal Lamy, comissário europeu para Comércio: "A janela de oportunidade se fechará logo, para dar lugar a um tipo de inverno na OMC".
O tempo ontem em Paris, porém, era bastante primaveril, a ponto de injetar algum otimismo no chanceler brasileiro, levando-o a dizer: "Minha experiência em negociações comerciais me transformou em um desses animais capazes de sentir quando um terremoto está vindo. Desta vez, é um terremoto positivo, devido a movimentos de todos os grandes parceiros".
Na mesma linha, Lamy disse que "negociações comerciais são como vulcões e suas três fases: dormir, soltar fumaça e ter uma erupção. O vulcão OMC está fumegando outra vez".
Menos inclinado a metáforas e mais prático, Zoellick acha que avançar na Rodada Doha representa "uma oportunidade estratégica, porque permitirá aprofundar a expansão econômica".
O que acontece se o vulcão parar de soltar fumaça ou o terremoto não for positivo? "Seria difícil fazer a Rodada avançar de novo por um bom tempo", responde Panitchpakdi.


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