|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Distribuição irregular de renda pode levar à plutocracia
PAUL KRUGMAN
O novo livro de Kevin Phillips, "Wealth and Democracy" ["Riqueza e Democracia""
é um calhamaço de 422 páginas,
mas boa parte de sua mensagem
está contida em uma tabela impressionante. A tabela, localizada
no meio de um capítulo intitulado
"Plutografia do Milênio", registra
a remuneração dos dez executivos-chefes mais bem pagos dos
Estados Unidos nos anos de 1981,
1988 e 2000.
Em 1981, esses capitães da indústria recebiam em média US$
3,5 milhões ao ano, o que parecia
muito, àquela altura. Em 1988, a
média havia disparado para US$
19,3 milhões, o que parecia absurdo. Mas em 2000, a remuneração
média anual dos dez executivos
mais bem pagos chegava a US$
154 milhões. É verdade que os salários dos trabalhadores comuns
mais ou menos duplicaram no
período em estudo, ainda que a
maior parte desses ganhos tenha
sido consumida pela inflação.
Mas os ganhos dos principais executivos subiram 4.300%.
De que maneira devemos interpretar esse espantoso desdobramento? Roubando (e alterando)
uma frase de Mickey Kaus, da revista "Slate", eu diria que um grupo influente da opinião pública
reagiu ao aquecimento global e ao
surgimento de uma plutocracia
norte-americana da mesma maneira: "Não é verdade, não é verdade, não é verdade, e nada pode
ser feito a respeito".
Por muitos anos houve um esforço coordenado de organizações de pesquisa, políticos e intelectuais para negar que a desigualdade estivesse crescendo no país.
Glenn Hubbard, hoje presidente
do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, é um
economista altamente competente; mas ele demonstrou sua fidelidade, durante o governo do primeiro Bush, com um estudo ridiculamente manipulado que supostamente demonstrava que a
distribuição de renda não importa porque existe nos Estados Unidos uma enorme "mobilidade de
renda" ou seja, os pobres desta
década provavelmente serão os
ricos da próxima, e vice-versa.
É evidente que isso não acontece. Mesmo ao longo de gerações,
há muito menos mobilidade de
renda do que acredita a sabedoria
popular. Phillips mostra que as
histórias de decadência financeira
em famílias um dia ricas são sempre exageradas; os descendentes
dos barões ladrões do século 19
continuam a ser muito diferentes
de você e de mim.
Mas a era dourada parecia positivamente igualitária se comparada com a concentração de riqueza
que começa a emergir nos Estados Unidos.
Muito em breve, a negação deixará de ser algo possível. O que os
defensores da má distribuição de
renda terão a dizer a seguir?
Primeiro, ouviremos que as vastas fortunas se justificam porque
são a recompensa por imensas
realizações. E é exatamente a esse
respeito que a tabela nos serve
muito bem, porque conta exatamente quais realizações terminaram recompensadas. Apenas um
dos dez executivos mais bem pagos registrados pela tabela, Dennis Kozlowski, foi indiciado em
processo criminal. Mas, dentre os
demais, três -quatro, se incluirmos John Chambers, da Cisco-
eram executivos à maneira de
Andy Warhol: suas empresas foram famosas por apenas 15 minutos, o bastante para que eles exercessem suas opções de ações e
embolsassem o dinheiro.
A lista também inclui Gerald Levin, que articulou a fusão entre a
Time Warner e a America Online
no pico da bolha da internet. Mesmo na época, parecia óbvio que
ele estava trocando metade dos
direitos originais dos acionistas
de sua empresa por um balaio de
gatos do mundo virtual.
Também nos será dito que, de
qualquer maneira, não há nada
que se possa fazer para limitar a
acumulação e o legado de vastas
fortunas de geração para geração.
Haverá quem nos diga, por exemplo, que retomar o imposto sobre
as heranças teria efeitos econômicos devastadores mesmo que o
grande boom dos anos 90 tenha
acontecido durante a vigência do
imposto de 55% sobre os espólios
de alto valor.
Alguns correspondentes me garantiram que os impostos sobre
as heranças dos muitos ricos são
pouco práticos, e que sempre será
possível escapar deles -isso a
despeito do fato de o imposto, em
1999, ter arrecadado US$ 15 bilhões dos espólios com valor superior a US$ 5 milhões.
Mas não se trata apenas de uma
questão de arrecadar impostos.
Phillips, que é militante republicano há muito tempo, se preocupa mais não com a questão econômica em si, mas com as consequências políticas da concentração de renda. Ele adverte que "o
desequilíbrio entre riqueza e democracia é insustentável, pelo
menos sob os padrões tradicionais de aferição".
De que maneira esse desequilíbrio será resolvido? Os economistas Claudia Goldin e Robert Margo batizaram o grande estreitamento dos diferenciais de renda
durante o governo de Franklin
Delano Roosevelt de "Grande
Compressão"; se estou entendendo corretamente a argumentação
de Phillips, ele acredita que algo
semelhante acontecerá. Mas também oferece uma alternativa sombria: "Ou a democracia será renovada, com a política voltando à vida, ou a riqueza provavelmente
cimentará um regime novo e menos democrático -plutocracia
sob um nome diferente".
Uma perspectiva apocalíptica.
Mas Phillips tem um histórico impressionante como profeta político. E se ele estiver certo?
Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA). Este artigo foi publicado originalmente pelo jornal "The New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci
Texto Anterior: Opinião Econômica - Gesner Oliveira: Pacotes calmantes e vulnerabilidade externa Próximo Texto: Trecho Índice
|