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OPINIÃO ECONÔMICA
Pacotes calmantes e vulnerabilidade externa
GESNER OLIVEIRA
O dia-a-dia da economia
tem o seu jargão próprio.
Desde um "pacote calmante" que
visou atenuar o nervosismo dos
mercados nesta semana até a tão
comentada "vulnerabilidade externa", presente em quase todos
os discursos políticos, mas ainda
um termo cifrado para o público
leigo.
Afinal, o que é vulnerabilidade
externa? Um relatório recente do
Fundo Monetário Internacional,
"Indicadores de Vulnerabilidade
Externa Relacionados à Dívida e
às Reservas", é útil para responder à pergunta. Analogamente às
dificuldades de previsão de terremotos, não há, conforme mostra o
estudo, um indicador perfeito para a previsão de crises.
Analistas e investidores costumam acompanhar dois grupos
principais de variáveis. De um lado, há indicadores de liquidez. O
nível das reservas internacionais
é um número usado com frequência. Daí, por exemplo, o estabelecimento de um nível mínimo de
reservas externas, cujo valor foi
alterado ontem de US$ 20 bilhões
para US$ 15 bilhões, permitindo
maior margem de intervenção do
Banco Central no mercado cambial.
Também é comum utilizar a razão entre as reservas e as importações ou ainda o número de meses de importações que as reservas
permitem financiar sem necessidade de outras fontes de recursos
externos. As reservas internacionais brasileiras correspondem na
atualidade a mais de sete meses
de importação.
De outro lado, há indicadores
de solvência, isto é, da capacidade
de pagamento das obrigações externas do país, independentemente de apertos temporários de
liquidez.
A principal medida de estoque é
a dívida externa. Diferentemente
de outros emergentes, o Brasil
não tem um problema com sua
dívida externa. Seu montante
tem apresentado queda em termos absolutos nos últimos anos.
Em 1998, a dívida era de US$ 224
bilhões, em 1999 foi para US$ 225
bilhões e nos últimos dois anos
caiu para US$ 217 bilhões e US$
204 bilhões. Esses valores incluem
as dívidas externas pública e privada, mas excluem empréstimos
entre companhias que, em geral,
são operações de investimento direto registradas como empréstimo por motivos tributários.
A trajetória declinante da dívida externa parece estar em contradição com a persistência de déficits em conta corrente superiores
a US$ 20 bilhões nos últimos
anos. A aparente contradição se
explica pela forma que os déficits
têm sido financiados. Em termos
líquidos, o Brasil tem captado na
forma de dívida praticamente o
mesmo montante necessário para
cobrir as suas amortizações, aquilo que no jargão se chama mera
rolagem de dívida. O dinheiro novo que cobre o déficit vem na sua
maior parte do investimento direto estrangeiro.
Os recursos de investimento direto não se transformam em dívida externa, mas se incorporam a
uma medida mais ampla, o chamado passivo externo líquido. Esse último é composto pela dívida
externa financeira e pelo capital
estrangeiro que resulta da acumulação dos fluxos de investimento direto estrangeiro, deduzindo-se as reservas internacionais e o capital que os brasileiros
detêm no exterior. Sua mensuração é mais difícil do que a da dívida, pois requer a consideração
dos valores acumulados dos fluxos passados e sua depreciação.
Para a avaliação da vulnerabilidade externa, também é útil
avaliar a razão entre a dívida externa líquida (isto é, deduzidas as
reservas internacionais) e as exportações de bens e serviços. Tal
quociente indica quantos anos de
exportações seriam hipoteticamente necessários para saldar os
compromissos externos líquidos.
Essa relação vem caindo gradualmente: era de 3 anos em 1999,
passou a 2,5 anos em 2000 e chegou a 2,3 anos em 2001.
A razão entre o déficit em conta
corrente e o Produto Interno Bruto constitui um dos indicadores
mais conhecidos. Em países emergentes com escassez de capital um
déficit em conta corrente não é
necessariamente ruim, já que pode refletir a atração de poupanças
estrangeiras para financiar o desenvolvimento. Entretanto sua
persistência por períodos longos
de tempo em um mundo crescentemente instável torna o país excessivamente vulnerável. A razão
entre déficit em conta corrente e
PIB vem caindo no Brasil, mas
ainda se encontra no elevado patamar de 3,79% nos 12 meses até
abril passado, tendo atingido
4,61% em 2001.
Tal vulnerabilidade externa é
percebida pelos investidores e refletida em prêmios de risco mais
elevados para o país. Isso induz
taxas de juros domésticas mais
elevadas, o que inibe o crescimento e eleva os gastos com a dívida
pública interna.
As medidas anunciadas na última quinta-feira e complementadas ontem com a elevação do
compulsório sobre depósitos a
prazo serviram para acalmar o
mercado, emitindo sinais de que
o Banco Central terá munição para conter bolhas especulativas e
de que as contas públicas não sairão dos trilhos.
Embora oportuno, o "pacote
calmante" não pretendeu (nem
poderia) avançar na solução de
problemas estruturais, como a
vulnerabilidade externa do país.
Essa última requer tratamento
gradualista e de longo prazo, visando tornar o país mais competitivo, isto é, produtor de bens e
serviços melhores e mais baratos
comparativamente ao resto do
mundo.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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