São Paulo, sábado, 15 de junho de 2002

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LUÍS NASSIF

A estratégia da Volks

O presidente da Volkswagen do Brasil, Herbert Demel, às vezes se perde pela língua, como em alguns episódios pelos quais foi alvo de críticas aqui. Mesmo com esse passivo verbal, conseguiu alguns feitos que merecem uma análise mais apurada.
Houve uma revolução na unidade da Anchieta, que começou a ser pensada em 1997. Os fatores desfavoráveis à Anchieta eram o custo da mão-de-obra, a inflexibilidade da jornada de trabalho, os custos fixos elevados devido à verticalização da produção, a dificuldade de implantação de novos conceitos operacionais e a dificuldade de implantação de um novo modelo em paralelo ao sistema antigo. A favor, havia o complexo de logística consolidado, a estrutura da fábrica nova, a estamparia interna e a mão-de-obra qualificada.
Desde o início da Autolatina (a tentativa de fusão com a Ford) até recentemente, os diversos presidentes da Volkswagen eram dotados de visão estritamente financeira. De 1980 a 1995 praticamente não ocorreram investimentos na fábrica Anchieta nem se mudaram os processos. Recentemente, consultores de gestão que passaram por lá se mostravam surpresos com a dicotomia entre qualidade de engenharia e anacronismo de processos.
A fábrica transformou-se em um castelo de fantasmas. Mas tirar prédios e máquinas imprestáveis significaria tirar do inventário e dar baixa contábil, gerando gastos.
A decisão de ficar foi tomada no segundo semestre de 1997, quando se adotou o Masterplan, projeto de Demel, que antes havia passado pela Audi. O foco do projeto visava melhorar a produtividade, reduzir drasticamente a complexidade da operação, reduzir custos operacionais e logísticos e adequar a estrutura a processos mais modernos. Foram criados cinco grupos de trabalho: de produtividade, "outsourcing", custo logístico, infra-estrutura e layout da fábrica, baseado no Toyota System.
Para ser autofinanciável, começaram a vender outros ativos, como prédio no Jabaquara e a fábrica de caminhões da Chrysler. Também foram demolidos 37 pequenos galpões menores que 5 mil m2.
Na teoria, teria sido melhor fechar a fábrica, diz Demel. Mas não havia condições políticas para tanto. Decidiu-se então reestruturar e reinvestir na fábrica depois de finalizar Curitiba.
Como não poderia parar a produção, a fábrica foi dividida em duas. A antiga continuou operando e a nova começou a ser montada. Com o tempo a parte velha vai morrer. A parte velha foi compactada em metade da fábrica. Depois se reconstruiu a parte de dentro e se introduziram as novas linhas.

O novo processo
A partir de 1997 uma equipe foi incumbida de viajar o mundo inteiro, para absorver todas as iniciativas pioneiras da VW e dos concorrentes e desenvolver um projeto moderno. O sistema de produção foi preparado para trabalhar com o conceito de módulos básicos, fáceis de serem montados.
Ao todo, o carro tem cinco módulos: o cockpit, (painel, pedaleira, colunas), a dianteira, o agregado mecânico, o agregado motriz e as portas. Os módulos sobem do primeiro para o segundo andar, já prontos, são encaixados e parafusados automaticamente, tudo monitorado por sistemas de consumidor. A segunda geração do Gol tinha 1.300 itens montados; a do Polo quatro portas, apenas 450. A quantidade de itens pré-montados caiu de mil para vinte.
Quando mudaram o sistema, a previsão era que o Masterplan traria economias da ordem de R$ 170 milhões. Já chegou aos R$ 144 milhões. O investimento total chegou a R$ 2 bilhões.
A estratégia da Volkswagen é ousada. Sua meta é buscar as faixas médias de renda. Segundo sua visão, os carros mais acessíveis só vendem porque são mais acessíveis, não por ser objeto de desejo. Como existe um poder de compra limitado, o desejo do consumidor é saltar de faixa assim que melhorar a renda, diz Demel. A estratégia custou a liderança do mercado, em termos de unidade vendida, mas melhorou o faturamento e o lucro.
Apesar das reclamações sobre o nível de salários no ABC, é certo que a VW conta com um aliado de peso: a racionalidade que domina as ações do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. E com um adversário de peso: a dificuldade para a economia deslanchar e melhorar a renda familiar.
E-mail - lnassif@uol.com.br



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