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São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003

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SONHO DISTANTE

Redução de consumo atinge entretenimento, empregados e até pizzaria; frequência de academias cai 40%

Do táxi ao clube, paulistano corta gastos

ADRIANA MATTOS
MAELI PRADO

DA REPORTAGEM LOCAL

Na tentativa de se ajustar a uma renda cada vez mais escassa e emprego em falta, a classe média cortou o que pôde. Levantamentos mostram que teatro, cinema e gastos com clubes foram limados da lista de necessidades. Empregada doméstica, restaurantes e até gastos com táxis também foram alvo da tesourada.
Houve, por exemplo, uma queda superior a 40% no total de pessoas da classe média que frequentava academias em 2002, em relação ao ano anterior. As idas ao teatro reduziram-se: caiu 20% o número de pessoas com renda alta que assistem a peças.
O Instituto Ipsos-Marplan de pesquisa chegou a esse número analisando os hábitos de consumo de entrevistados de diferentes faixas de renda em nove regiões metropolitanas do Brasil.
Segundo dados obtidos pela Folha com associações que representam esses setores, cruzados com a análise da instituição, apenas os gastos com viagens no final de semana e com livros apresentaram um certo crescimento.
Pega-se o exemplo dos hábitos de consumos em restaurantes e percebe-se a mudança. A Abred (Associação Brasileira dos Restaurantes Diferenciados) apurou uma queda no gasto por cabeça da família de classe média em restaurantes paulistas.
Passou de R$ 30 por pessoa há cerca de dois anos para algo entre R$ 18 e R$ 20 em 2003. "Para adaptar a conta ao bolso, até o couvert [entrada] empobreceu", diz Joaquim Saraiva, presidente da associação.
Churrascarias e pizzarias -local de frequência constante dessa classe econômica- perderam público, segundo a entidade. "Num dia de bom movimento, atendemos 300 mesas. Atingíamos esse número até 1998. Agora, não chega a 130 mesas", diz Amarildo Oliveira, gerente da Churrascaria OK, de São Paulo.

Calote nos clubes

Cresceu a dificuldade de o brasileiro manter padrões de vida conquistados no passado. Entre eles, está a ida ao tradicional clube de de cidade ou de campo.
A inadimplência da classe média em alguns desses locais subiu em São Paulo. Os clubes não comentam a situação abertamente pois preferem manter a discrição. Mas o balanço financeiro do Esporte Clube Pinheiros, que reúne parte da elite de São Paulo, mostra que a inadimplência passou de R$ 1,392 milhão em 31 de dezembro de 2002 para R$ 1,832 milhão em 28 de fevereiro deste ano. Um aumento de 31,5% em dois meses.
Se o sócio não paga, é preciso negociar. E já admite-se em alguns clubes, como o Paineiras do Morumbi, na zona sul da capital, que a dívida seja parcelada em até 12 vezes, no máximo.
E o pior: nesse caso, isso nada tem a ver com elevação nas mensalidades, mas com a simples falta de recursos mesmo. As mensalidades subiram, de junho de 2002 a maio de 2003, cerca de 11% (no período, a inflação foi de quase 15%).
"Percebe-se claramente uma mudança de comportamento. Se no passado o sócio parava de ir ao clube ou à academia por preguiça, mas continuava pagando, agora ele pára de pagar e de ir", diz Fernando Rosa, diretor de marketing da ACM, instituição com várias unidades espalhadas no Brasil.
Nos dois últimos anos, a classe média "fugiu" para clubes mais baratos e academias de bairro, diz Rosa. A ACM, por exemplo, perdeu cerca de 10 mil sócios.
"A crise já nos ajudou mais. Quando a coisa apertava, pessoas de maior poder aquisitivo chegavam a nos procurar mais. Agora todos aparecem aqui com o papelzinho na mão, comparando valores", diz.

Praça no aperto
Dependente das camadas de maior poder aquisitivo, nem mesmo o ramo de táxis passa ileso. "Os taxistas faturam hoje 70% do que faturavam há um ano. A inadimplência está na casa dos 10%, quando o aceitável seria 2%", diz Natalício Bezerra, presidente do sindicato da categoria.
Bezerra acredita que o calote elevado seja resultado da dificuldade que o brasileiro enfrenta, num primeiro momento, de ajustar o tamanho do salário aos gastos, quando esses disparam rapidamente.
Uma das tentativas de adaptar o orçamento à renda está no corte da TV a cabo. A fuga do feijão com arroz da televisão aberta, proporcionada à classe média pela opção da TV paga, também foi prejudicada do ano passado em comparação a 2001.
A queda no número de assinantes - 95% deles são de classes A e B- foi de 0,64% para a chamada classe média alta, segundo a pesquisa do Ipsos-Marplan.
Dados da PayTV Survey, da editora Glasberg, que edita a revista "PayTV", apontam que a retração continua ocorrendo em 2003. No primeiro trimestre deste ano, o número de assinantes foi de 3,47 milhões, ante 3,42 milhões no mesmo período do ano passado.
Especialistas analisam que o tombo só não é maior por causa do surgimento de novas operadoras no mercado, que oferecem cobertura em nichos novos, como cidades do interior.
"Os números mostram que o mercado está praticamente estagnado. Mas isso é até positivo em comparação com o consumo de outros segmentos", diz Alexandre Annenberg, diretor executivo da ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura).

Fuga nos livros
As pessoas estão assistindo menos a TV paga, mas em compensação estão lendo mais. Números da Câmara Brasileira do Livro mostram que o aumento de unidades vendidas foi de 7% no ano passado em comparação com 2001. A classe média contribuiu para essa evolução: o aumento foi de 12,59%, segundo o levantamento do Ipsos-Marplan.
"Historicamente em épocas de crise há aumento nas vendas de livros. É uma alternativa mais acessível de diversão ou mesmo de especialização", diz Pedro Herz, da livraria Cultura.
Outra opção da qual a classe média está lançando mão para se divertir sem grandes gastos é ir ao cinema. Segundo a rede UCI, a frequência anual vem aumentando em 2% -ou seja, 170 mil pessoas a mais- desde 2001.

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