São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Peru, EUA e Mercosul

Para o Brasil, o importante agora é contribuir para que se restabeleça o diálogo entre Alan García e Hugo Chávez

O PRESIDENTE eleito do Peru, Alan García, esteve anteontem em Brasília a convite do presidente Lula. O fato é significativo: foi a primeira viagem de García ao exterior depois da sua recente vitória nas eleições. O futuro presidente peruano não economizou ênfase nas suas declarações a respeito do Brasil. Chegou a dizer que não teme uma "hegemonia positiva e construtiva do Brasil, que tem um papel essencial como país promotor da união sul-americana". Evidentemente, não devemos cair na tentação de tomar ares de "país hegemônico", pois isso fere suscetibilidades, estimula rivalidades e seria o caminho mais curto para enterrar o projeto de integração econômica e política da América do Sul. Para o Brasil, o importante agora é contribuir para que se restabeleça o diálogo entre Alan García e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que acaba de negociar a entrada do seu país no Mercosul. Como se sabe, durante a campanha peruana, Chávez e García trocaram pesados insultos e romperam relações. Já existe um acordo de livre comércio entre o Peru e o Mercosul, que está em fase de implantação. Mas o ideal seria que o Peru se tornasse membro pleno do Mercosul, aderindo à união aduaneira e ao projeto político mais amplo de que ela faz parte. Sabe-se que isso é difícil. Não só pelos conflitos entre García e Chávez mas principalmente porque o governo Alejandro Toledo concluiu, no apagar das luzes, um acordo bilateral de livre comércio com Washington que, uma vez ratificado pelo Congresso peruano e pelo Congresso dos Estados Unidos, inviabilizaria a incorporação do Peru ao Mercosul. Por esse acordo, as tarifas de importação seriam zeradas de imediato para nada menos que 80% das exportações de bens de consumo e industriais dos Estados Unidos para o Peru. Sobre esses tipos de produto, todas as tarifas peruanas remanescentes seriam eliminadas em até dez anos. No caso dos bens agropecuários, mais de dois terços das exportações dos Estados Unidos para o Peru ficariam imediatamente livres de tarifas de importação. As tarifas sobre os demais produtos agropecuários seriam eliminadas ao longo de 17 anos. Fica claro que a estrutura tarifária que resultaria desse acordo EUA-Peru seria incompatível com a TEC (Tarifa Externa Comum) do Mercosul. Por definição, membros de uma união aduaneira como o Mercosul, ligados por uma tarifa externa comum, não podem realizar acordos bilaterais de livre comércio com outros países. Ratificado o acordo com os EUA, o Peru só poderia permanecer como membro associado do Mercosul. Interessa ao Peru o acordo com os Estados Unidos? É duvidoso, para dizer o mínimo. As suas vantagens são limitadas. O acordo proporcionaria pouco acesso adicional ao mercado dos EUA. O que ele faria, basicamente, seria tornar permanentes as preferências tarifárias já previstas no "Andean Trade Preference Act". Washington vinha ameaçando não prorrogá-las, caso o Peru e os outros países andinos se recusassem a negociar acordos bilaterais de livre comércio no formato Nafta-Alca. Como é típico dos acordos realizados nesse formato, o resultado das negociações foi fortemente assimétrico. Nem sei se cabe falar em "negociações" e se não seria mais apropriado dizer que o que houve foi a assinatura pura e simples de um contrato de adesão. Negociam-se detalhes, aspectos secundários, mas a estrutura básica está predeterminada. Washington manteve a sua política de subsídios agrícolas e a sua legislação antidumping, mas obteve do Peru eliminação de tarifas de importação, abertura dos mercados de serviços, amplo acesso a compras governamentais, diversas vantagens para seus investidores e regras rigorosas de proteção da propriedade intelectual, entre outras concessões. Neste momento, faltando pouco mais de um mês para a posse de Alan García, o governo Alejandro Toledo está pressionando o Congresso peruano para ratificar imediatamente o tratado com os Estados Unidos. Ao mesmo tempo, faz "lobby" em Washington para tentar apressar a sua aprovação pelos parlamentares americanos. Imagino que o convite do governo brasileiro a Alan García tenha sido feito, pelo menos em parte, com a intenção de contra-arrestar esse movimento. Veremos para que lado se inclinará o novo presidente do Peru.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/ Elsevier, 2005).
@ - pnbjr@attglobal.net


Texto Anterior: Funcionários tentam acordo com ex-presidente da Varig Log
Próximo Texto: Fuga de estrangeiros da Bolsa se acentua
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.