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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Peru, EUA e Mercosul
Para o Brasil, o importante agora é contribuir para que se restabeleça o diálogo entre Alan García e Hugo Chávez
O PRESIDENTE eleito do Peru,
Alan García, esteve anteontem em Brasília a convite do
presidente Lula. O fato é significativo: foi a primeira viagem de García
ao exterior depois da sua recente vitória nas eleições. O futuro presidente peruano não economizou ênfase nas suas declarações a respeito
do Brasil. Chegou a dizer que não teme uma "hegemonia positiva e
construtiva do Brasil, que tem um
papel essencial como país promotor
da união sul-americana".
Evidentemente, não devemos cair
na tentação de tomar ares de "país
hegemônico", pois isso fere suscetibilidades, estimula rivalidades e seria o caminho mais curto para enterrar o projeto de integração econômica e política da América do Sul. Para
o Brasil, o importante agora é contribuir para que se restabeleça o diálogo entre Alan García e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que
acaba de negociar a entrada do seu
país no Mercosul. Como se sabe, durante a campanha peruana, Chávez
e García trocaram pesados insultos
e romperam relações.
Já existe um acordo de livre comércio entre o Peru e o Mercosul,
que está em fase de implantação.
Mas o ideal seria que o Peru se tornasse membro pleno do Mercosul,
aderindo à união aduaneira e ao projeto político mais amplo de que ela
faz parte. Sabe-se que isso é difícil.
Não só pelos conflitos entre García e
Chávez mas principalmente porque
o governo Alejandro Toledo concluiu, no apagar das luzes, um acordo bilateral de livre comércio com
Washington que, uma vez ratificado
pelo Congresso peruano e pelo Congresso dos Estados Unidos, inviabilizaria a incorporação do Peru ao
Mercosul.
Por esse acordo, as tarifas de importação seriam zeradas de imediato para nada menos que 80% das exportações de bens de consumo e industriais dos Estados Unidos para o
Peru. Sobre esses tipos de produto,
todas as tarifas peruanas remanescentes seriam eliminadas em até dez
anos. No caso dos bens agropecuários, mais de dois terços das exportações dos Estados Unidos para o Peru
ficariam imediatamente livres de tarifas de importação. As tarifas sobre
os demais produtos agropecuários
seriam eliminadas ao longo de 17
anos.
Fica claro que a estrutura tarifária
que resultaria desse acordo EUA-Peru seria incompatível com a TEC
(Tarifa Externa Comum) do Mercosul. Por definição, membros de uma
união aduaneira como o Mercosul,
ligados por uma tarifa externa comum, não podem realizar acordos
bilaterais de livre comércio com outros países. Ratificado o acordo com
os EUA, o Peru só poderia permanecer como membro associado do
Mercosul.
Interessa ao Peru o acordo com os
Estados Unidos? É duvidoso, para
dizer o mínimo. As suas vantagens
são limitadas. O acordo proporcionaria pouco acesso adicional ao
mercado dos EUA. O que ele faria,
basicamente, seria tornar permanentes as preferências tarifárias já
previstas no "Andean Trade Preference Act". Washington vinha
ameaçando não prorrogá-las, caso o
Peru e os outros países andinos se
recusassem a negociar acordos bilaterais de livre comércio no formato
Nafta-Alca.
Como é típico dos acordos realizados nesse formato, o resultado das
negociações foi fortemente assimétrico. Nem sei se cabe falar em "negociações" e se não seria mais apropriado dizer que o que houve foi a assinatura pura e simples de um contrato de adesão. Negociam-se detalhes, aspectos secundários, mas a estrutura básica está predeterminada.
Washington manteve a sua política de subsídios agrícolas e a sua legislação antidumping, mas obteve
do Peru eliminação de tarifas de importação, abertura dos mercados de
serviços, amplo acesso a compras
governamentais, diversas vantagens
para seus investidores e regras rigorosas de proteção da propriedade intelectual, entre outras concessões.
Neste momento, faltando pouco
mais de um mês para a posse de Alan
García, o governo Alejandro Toledo
está pressionando o Congresso peruano para ratificar imediatamente
o tratado com os Estados Unidos. Ao
mesmo tempo, faz "lobby" em Washington para tentar apressar a sua
aprovação pelos parlamentares
americanos.
Imagino que o convite do governo
brasileiro a Alan García tenha sido
feito, pelo menos em parte, com a intenção de contra-arrestar esse movimento. Veremos para que lado se
inclinará o novo presidente do Peru.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/
Elsevier, 2005).
@ - pnbjr@attglobal.net
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