São Paulo, domingo, 15 de junho de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Os liberais e o social-negocismo


Lula escancara a porteira do negócio público-privado; liberais e empresários críticos do Estado são cúmplices

ECONOMISTAS LIBERAIS fizeram as queixas de praxe a respeito da política industrial e do arbítrio estatal na escolha de empresas privilegiadas por subsídios. Empresários se queixam de excessos e zorra tributários. Mas esses líderes do mundo livre do mercado não se dedicam à crítica organizada da onda de favores regulatórios, políticos e outros a que se dedica o governo Lula. Nem à crítica da contraparte desse balcão -as próprias empresas. Não fazem tal crítica porque, óbvio, são parte do problema.
Decerto se escuta o ramerrão sobre a destruição das agências reguladoras sob Lula. Embora não sejam solução única, as agências podem, em certos contextos, reduzir o grau de negociação política, da política politiqueira, na regulação do mercado (e, assim, reduzir parte das atividades de compra ou aluguel de favores de partidos e agentes públicos).
Mas é óbvio para qualquer adolescente que passou no primeiro semestre de sociologia ou ciência política que a possibilidade de "captura" das agências por poderes privados independe de leis que decretem sua autonomia, ainda mais em sociedades desorganizadas na defesa de direitos e muito ativas na organização de estruturas de favor -Brasil.
O escárnio dos fatos é que a mesma multidão empresarial que se indigna com o ativismo luliano constitui o grosso do outro lado do balcão do favor. Não se trata de "caso isolado": petroquímica, energia, aviação, montadoras, TVs, estaleiros, telefônicas, frigoríficos, mineração, zonas francas, agricultores, ferrovias etc.
Não se trata também apenas de "intervencionismo estatal" ou de debates "politizados" de "pleitos regulatórios", mas de acordos intimamente negociados a respeito da própria redefinição da propriedade e da lucratividade da grande empresa. Isso decerto não começou com Lula -teve por exemplo o seu aspecto de intervencionismo estatal privatista sob FHC, digamos de forma sarcástica. Mas as porteiras voltam a ser escancaradas à larga logo no governo do PT, o do social-negocismo.
Economistas liberais porém detonam governos como se a empresa brasileira não fosse muita vez moldada no contato com o Estado, ou mesmo em sua prensa. Bastariam o Estado sair de cena e "incentivos corretos" para o mercado dar conta de alocar o capital de modo racional.
Mas existem essas empresas contidas apenas e involuntariamente pelo cabresto do Estado? E onde está o santo neutro definidor do "incentivo correto", o agente independente, cujo reino não é deste mundo? Ou tal definição viria do "exemplo da experiência internacional"?
Valha-nos o Senhor, pois nem os centros ideológicos proponentes de tais coisas acreditam mais nisso.
Temos um problema sério, muito ignorado por economistas, os ideólogos do tempo, que é o déficit de democracia e de direitos: a imensa desigualdade de poder, alavancada por desigualdades de renda e educação, educação que não é só o que os economistas chamam de "formação de capital humano". O controle social de negócios público-privados é escasso também por falta de diversidade de forças sociais capacitadas e poderosas o bastante para intervirem no jogo fechado entre Estado e grande empresa. Mas democracia real, mais que demodée, virou tabu.

vinit@uol.com.br


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