São Paulo, quinta-feira, 15 de agosto de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Brasil, "aluno modelo"

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Quanta coisa aconteceu, leitor, desde que conversamos na quinta-feira passada! Em prazo surpreendentemente curto, o governo brasileiro conseguiu anunciar os termos gerais de um novo acordo de 15 meses com o FMI, prevendo um desembolso potencial de US$ 30 bilhões em 2002 e em 2003. O valor foi bem maior do que se esperava. Se vier a se concretizar, será o maior empréstimo já concedido a um país pelo FMI.
Instalou-se imediatamente um clima de intensa celebração no Brasil. No dia seguinte, um repórter telefonou para me perguntar: "Como é que o Brasil deve aproveitar o alívio proporcionado pelo acordo nos próximos 15 meses?". Cauteloso, respondi: "Não sei se o alívio vai durar tanto".
Nem eu poderia imaginar, entretanto, que o alívio duraria apenas 24 horas! Como observou relatório do banco HSBC, a reversão do mercado na sexta-feira passada "talvez seja o mais rápido voto de desconfiança da história dos pacotes de socorro do FMI" ("Wall Street Journal", 13 deste mês).
O megaespeculador George Soros, ex-patrão do atual presidente do Banco Central, saiu em defesa do Brasil. Em artigo intitulado "Não culpem o Brasil", publicado no "Financial Times" de terça-feira, Soros afirmou que o acordo com o FMI era "um voto de confiança num aluno modelo" e que a sua incapacidade de proporcionar o alívio esperado era uma indicação de que "há algo de fundamentalmente errado com o sistema financeiro internacional".
Bem. Não há dúvida de que o funcionamento das finanças internacionais apresenta graves problemas. O próprio termo "sistema" é inadequado. Como venho repetindo há vários anos, o mercado financeiro internacional está mais para "hospício em autogestão" do que para "sistema".
Por outro lado, a esta altura, a instabilidade dos fluxos financeiros internacionais e a sua extraordinária capacidade de provocar estragos em países endividados já não podem surpreender mais ninguém. Trata-se de fenômeno conhecido e recorrente. E é incrível que o Brasil esteja, mais uma vez, despreparado para fazer face a essas turbulências. O "aluno modelo" parece ter enormes dificuldades para aprender as lições mais elementares.
É óbvio que poucos acreditam nessa conversa de "aluno modelo". No exterior, a política econômica seguida pelo Brasil é vista com grande ceticismo. No início do mês, o diretor de relações externas do FMI, Thomas Dawson, concedeu uma coletiva de imprensa sobre as negociações com o Brasil e outros temas. Um jornalista dirigiu-lhe a seguinte questão: "Qualquer entendimento [com o governo e os principais candidatos à Presidência do Brasil" será baseado na continuação das políticas atuais, que o FMI sempre elogiou. A pergunta é: Se as políticas são boas, por que estamos tendo a crise?". O questionamento foi recebido com gargalhadas, segundo registra o próprio site do FMI (ver "Transcript of a Press Briefing by Thomas C. Dawson", Washington, D. C., 1º deste mês, www.imf.org).
Que lições o "aluno modelo" deve tirar da crise? Uma possibilidade é concluir que "o mundo enlouqueceu" e insistir em apelos lancinantes por "uma reforma da arquitetura financeira internacional", como voltou a fazer nas últimas semanas o grande escapista que é Fernando Henrique Cardoso. Tipicamente, esse gênero de governante logo reflui para a acomodação e a dependência de capitais externos, assim que ocorre alguma melhora no quadro econômico do país e no contexto mundial.
Outra possibilidade, mais promissora, é compreender que se faz necessária uma reorientação profunda, de caráter estratégico, da política econômica e da inserção internacional do Brasil. Isso exigirá enorme esforço e sacrifício ao longo dos próximos anos. "Sangue, labuta, lágrimas e suor", diria um estadista, retomando a famosa frase de Churchill.
Voltarei ao assunto na semana que vem.

P.S.: Agradeço a grande quantidade de e-mails que foram enviados em resposta ao P.S. do artigo da semana passada. Fiquei contente em saber que muitos leitores apóiam, não raro com entusiasmo, a veemência das críticas desta coluna ao governo Fernando Henrique Cardoso.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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