|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Brasil, "aluno modelo"
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Quanta coisa aconteceu, leitor, desde que conversamos na quinta-feira passada! Em prazo surpreendentemente curto,
o governo brasileiro conseguiu
anunciar os termos gerais de um
novo acordo de 15 meses com o
FMI, prevendo um desembolso
potencial de US$ 30 bilhões em
2002 e em 2003. O valor foi bem
maior do que se esperava. Se vier
a se concretizar, será o maior empréstimo já concedido a um país
pelo FMI.
Instalou-se imediatamente um
clima de intensa celebração no
Brasil. No dia seguinte, um repórter telefonou para me perguntar:
"Como é que o Brasil deve aproveitar o alívio proporcionado pelo
acordo nos próximos 15 meses?".
Cauteloso, respondi: "Não sei se o
alívio vai durar tanto".
Nem eu poderia imaginar, entretanto, que o alívio duraria
apenas 24 horas! Como observou
relatório do banco HSBC, a reversão do mercado na sexta-feira
passada "talvez seja o mais rápido voto de desconfiança da história dos pacotes de socorro do
FMI" ("Wall Street Journal", 13
deste mês).
O megaespeculador George Soros, ex-patrão do atual presidente
do Banco Central, saiu em defesa
do Brasil. Em artigo intitulado
"Não culpem o Brasil", publicado
no "Financial Times" de terça-feira, Soros afirmou que o acordo
com o FMI era "um voto de confiança num aluno modelo" e que
a sua incapacidade de proporcionar o alívio esperado era uma indicação de que "há algo de fundamentalmente errado com o sistema financeiro internacional".
Bem. Não há dúvida de que o
funcionamento das finanças internacionais apresenta graves
problemas. O próprio termo "sistema" é inadequado. Como venho repetindo há vários anos, o
mercado financeiro internacional
está mais para "hospício em autogestão" do que para "sistema".
Por outro lado, a esta altura, a
instabilidade dos fluxos financeiros internacionais e a sua extraordinária capacidade de provocar estragos em países endividados já não podem surpreender
mais ninguém. Trata-se de fenômeno conhecido e recorrente. E é
incrível que o Brasil esteja, mais
uma vez, despreparado para fazer face a essas turbulências. O
"aluno modelo" parece ter enormes dificuldades para aprender
as lições mais elementares.
É óbvio que poucos acreditam
nessa conversa de "aluno modelo". No exterior, a política econômica seguida pelo Brasil é vista
com grande ceticismo. No início
do mês, o diretor de relações externas do FMI, Thomas Dawson,
concedeu uma coletiva de imprensa sobre as negociações com o
Brasil e outros temas. Um jornalista dirigiu-lhe a seguinte questão: "Qualquer entendimento
[com o governo e os principais
candidatos à Presidência do Brasil" será baseado na continuação
das políticas atuais, que o FMI
sempre elogiou. A pergunta é: Se
as políticas são boas, por que estamos tendo a crise?". O questionamento foi recebido com gargalhadas, segundo registra o próprio site do FMI (ver "Transcript of a
Press Briefing by Thomas C. Dawson", Washington, D. C., 1º deste
mês, www.imf.org).
Que lições o "aluno modelo" deve tirar da crise? Uma possibilidade é concluir que "o mundo
enlouqueceu" e insistir em apelos
lancinantes por "uma reforma da
arquitetura financeira internacional", como voltou a fazer nas
últimas semanas o grande escapista que é Fernando Henrique
Cardoso. Tipicamente, esse gênero de governante logo reflui para
a acomodação e a dependência
de capitais externos, assim que
ocorre alguma melhora no quadro econômico do país e no contexto mundial.
Outra possibilidade, mais promissora, é compreender que se faz
necessária uma reorientação profunda, de caráter estratégico, da
política econômica e da inserção
internacional do Brasil. Isso exigirá enorme esforço e sacrifício ao
longo dos próximos anos. "Sangue, labuta, lágrimas e suor", diria um estadista, retomando a famosa frase de Churchill.
Voltarei ao assunto na semana
que vem.
P.S.: Agradeço a grande quantidade de e-mails que foram enviados em resposta ao P.S. do artigo
da semana passada. Fiquei contente em saber que muitos leitores
apóiam, não raro com entusiasmo, a veemência das críticas desta coluna ao governo Fernando Henrique Cardoso.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
Texto Anterior: Análise: Brasil fica no fio da navalha, e FMI também Próximo Texto: Balanços: Unibanco lucra R$ 475 mi no semestre Índice
|