São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

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RETOMADA/CONDIÇÕES

Para secretário, avanço depende de melhoria para decisões privadas e manutenção de indicadores macro

País pode entrar em rota virtuosa, vê Lisboa

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa, 40, acha que o Brasil tem hoje uma grande oportunidade para entrar agora numa rota de crescimento de longo prazo. Para ele, aproveitar essa oportunidade significa continuar o processo de melhoria das condições para a expansão das decisões privadas de gasto e geração de emprego, além de preservar as conquistas macroeconômicas.
Segundo Lisboa, há um ano, quando havia muitas críticas aos indicadores de produção e emprego, a equipe econômica já dizia que a retomada viria a partir do segundo semestre de 2003. "Houve à época, inclusive, muito receio não só sobre se a retomada iria ocorrer, mas também sobre a solidez das contas externas. Os receios se revelaram infundados", afirmou Lisboa em entrevista concedida por e-mail.
Considerado um dos principais formuladores da política econômica do governo, Lisboa diz que as boas condições macroeconômicas, sobretudo o ajuste fiscal, foram necessárias para a retomada do crescimento, mas não suficientes. "[Era preciso] iniciar a agenda microeconômica para garantir que essa retomada fosse o começo do crescimento, e não apenas mais um ciclo curto de expansão da atividade", diz Lisboa.

Folha - Estamos finalmente em uma rota de crescimento de longo prazo, ou, como dizem alguns economistas, trata-se de mais um ciclo curto de melhoria da atividade econômica, um vôo de galinha?
Marcos Lisboa -
Acho que a economia brasileira tem hoje uma boa oportunidade para iniciar uma trajetória de crescimento de longo prazo. Temos uma combinação de política fiscal, cambial e monetária consistente e crível que permitiu a imensa melhoria dos indicadores macroeconômicos, tais como a redução significativa das taxas de juros de mercado, a forte recuperação da atividade econômica e agora do emprego, além da expansão do saldo externo. A melhoria desses indicadores, inclusive, permitiu que os últimos choques externos tenham tido um impacto bastante modesto na nossa economia.

Folha - Qual o desafio agora?
Lisboa -
O nosso desafio tem sido melhorar as condições para que essa expansão seja mais prolongada e robusta. Para além das dificuldades macroeconômicas, que tanto nos atrapalharam no passado, temos restrições em diversas áreas da nossa economia que há muito reduzem nossa eficiência econômica, geram elevados custos para o investimento privado e induzem a geração de empregos de baixa qualidade.

Folha - Quais seriam essas restrições?
Lisboa -
Legislação inadequada para resolução dos conflitos, ineficiência na intermediação dos recursos para financiamento dos gastos privados, pressão da previdência pública sobre os gastos correntes, incerteza jurídico-regulatória são alguns dos problemas que reduziram nossa capacidade de crescimento no passado e, não por acaso, têm sido os temas centrais discutidos neste último ano e meio.

Folha - Há muitas críticas de que a agenda microeconômica tem andado devagar. Em que medida essa lentidão pode gerar gargalos para o crescimento?
Lisboa -
É verdade que havia muito a ser feito no começo do ano passado: graves problemas macroeconômicos e uma extensa agenda de reformas que se fazia necessária. Sabíamos desde o começo do governo que boas condições macroeconômicas eram necessárias, porém não suficientes para a retomada do crescimento de longo prazo. Uma boa política macroeconômica -compromisso com equilíbrio fiscal de longo prazo, sobretudo- criaria as condições para o exercício efetivo da política monetária e a queda das taxas de juros de mercado, apesar da elevada relação dívida/ PIB da nossa economia. E a queda significativa dos juros de mercado garantiria a expressiva retomada do crescimento, como, aliás, estamos assistindo. Lembro que quando havia muita crítica aos indicadores de produção e emprego, a equipe econômica já alertava que a retomada viria a partir do segundo semestre de 2003, com recuperação inicialmente dos setores de bens de consumo duráveis e, posteriormente, dos bens de consumo não-duráveis, da massa salarial e do emprego.

Folha -O que era preciso ser feito?
Lisboa -
O que era preciso naquele momento era iniciar a agenda microeconômica para garantir que essa retomada fosse o começo do crescimento, e não apenas mais um ciclo curto de expansão da atividade. Havia à época, inclusive, muito receio não só sobre se a retomada iria ocorrer, mas também sobre a solidez das contas externas. Os receios se revelaram infundados.

Folha - Em que consistiu a agenda microeconômica?
Lisboa -
Neste último ano, foi aprovada a reforma da Previdência, o projeto sobre mercado imobiliário, que inclui diversos instrumentos de crédito e securitização, a desoneração dos bens de capital e de diversos produtos da cesta básica, a substituição de um imposto em cascata por um imposto não cumulativo, a desoneração do mercado de capitais e regras tributárias que incentivam o alongamento das decisões de portfólio, com impactos positivos para o alongamento das dívidas, sejam públicas ou privadas. Além disso, foi aprovada a lei de inovação e das PPPs na Câmara, a discussão sobre o setor elétrico -talvez o mais difícil setor para regulação- está bem avançada, assim como a reforma do Judiciário. A Lei de Falência sofreu inúmeras e significativas melhoras na Câmara e no Senado, faltando agora a última votação na Câmara para ser aprovada. Enfim, não me parece que a agenda tenha demorado.

Folha - Sua aposta então é no crescimento de longo prazo?
Lisboa -
Minha aposta é que temos uma boa oportunidade. Aproveitá-la significa continuar o processo de melhoria das condições para a expansão das decisões privadas de gasto e geração de emprego, além de preservar as conquistas macroeconômicas. Redução do custo de financiamento privado dos investimento, menor incerteza jurídica, novos e mais seguros instrumentos de crédito, estímulo à formalização e ao investimento em novas tecnologias são centrais para garantir que a expansão da atividade que hoje vemos possa ser o começo de um longo ciclo de crescimento sustentável.

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