São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GOLE SECO

Crise atinge pequenos vinicultores; câmbio, concorrência e legislação rígida também prejudicam os fabricantes
Menor consumo ameaça vinho Bordeaux

FRANK J. PRIAL
DO "NEW YORK TIMES", EM BORDEAUX

Com seus elegantes jardins ao estilo inglês, cisnes plácidos, gramados bem tratados e vinhas cuidadosamente podadas se espalhando até onde a vista alcança, as grandes vinícolas de Bordeaux são um retrato de prosperidade.
Mas essas grandes propriedades, a maior parte das quais integrantes da prestigiosa Union des Grands Crus, respondem por apenas 5% da produção de vinho na região de Bordeaux. Para os 95% de vinícolas excluídas desse círculo mágico, na região que por muito tempo foi a capital inconteste do vinho mundial, a vida é muito menos atraente. As vinícolas locais atravessam o que talvez seja a sua pior crise desde o ataque do pulgão filoxera às vinhas da região, um século atrás.
Para a indústria vinícola francesa, é um período difícil. O consumo doméstico está em queda, a competição estrangeira e o dólar fraco prejudicam as exportações, a produção excessiva se generalizou e as mudanças necessárias são bloqueadas por regras obsoletas. Bordeaux foi atingida de forma especialmente séria porque se trata da maior das regiões vinícolas do país, e o vinho é a peça central de sua economia. A appellation Bordeaux compreende bem mais de 10 mil propriedades vinícolas, a maior parte das quais pequenas, com menos de 20 acres. Figuras do setor vêm prevendo, extra-oficialmente, que cerca de mil dos produtores menores terão de fechar as portas ao longo dos próximos anos.
Patrick Tauzin é um pequeno produtor na parte sul da região de Bordeaux. Cultiva cerca de 8 acres de uvas em St. Pierre d'Aurillac. Sua produção é de 16 mil caixas de vinho ao ano. Tauzin, 44, tem mulher e dois filhos, e não está conseguindo pagar as contas.
"Minha mulher trabalha fora em período integral, e eu passo horas ao telefone com os credores, todo dia. No momento, estamos correndo atrás de dinheiro. [...] Alguns deles [produtores] têm imensas dívidas", disse.

Crise de choro
Bordeaux está acostumada a ciclos de expansão e contração, mas a crise dos últimos anos atingiu proporções assustadoras. "Já vi produtores de vinho chorando", disse Christian Moueix, produtor e distribuidor da região.
Moueix controla o famoso vinhedo Petrus, em Pomerol bem como a vinícola Dominus, na Califórnia. Mas por intermédio da empresa de sua família também compra e distribui Bordeaux genérico. No começo deste ano, sua adega abrigava 5 milhões de garrafas de vinho que ele não consegue vender. "Só com reduções de preços de 30% ou 40% conseguimos movimentar o estoque."
O abismo entre o vinho genérico e o mundo das marcas famosas e classificadas é imenso.
Três meses atrás, Tauzin e outros proprietários de pequenas e médias vinícolas se organizaram para pressionar o governo e a principal associação promocional da região, o Conselho de Vinho de Bordeaux, a ajudá-los durante a crise. Exigiram um preço de garantia para o vinho e um relaxamento das regulamentações do governo que os impedem, entre outras coisas, de misturar vinhos de outras regiões aos seus. Os vinicultores querem usar o nome das uvas, como merlot ou chardonnay, em seus vinhos, como acontece no resto do mundo.
Em julho, representantes do governo concordaram com a maior parte dessas exigências, mas apenas para os vinhos mais baratos.
Pequenos produtores como Tauzin não são os únicos que desejam simplificar a estrutura de produção em Bordeaux. A área vinícola da região de Bordeaux é imensa. Com cerca de 190 mil acres de vinhedos, é dez vezes maior que a Borgonha. Mesmo com o grande excesso de produção, a área cultivada com vinhas em Bordeaux cresceu modestamente ao longo dos anos, de 1% a 2% anuais, ante os mais de 76% de crescimento registrados na Austrália, diz Allen Sichel, presidente da Maison Sichel, distribuidora de vinho.
O consumo de vinho na França, que vem caindo lento mas constantemente desde a Segunda Guerra Mundial, registrou 5% de queda em 2003, segundo o governo. Nos anos 60, os franceses bebiam em média 120 litros per capita de vinho ao ano. No ano passado, o número caiu a 58 litros. E a França foi sempre o principal mercado do Bordeaux.
O consumo de vinho nos restaurantes franceses caiu em 15% a 20% no ano passado, de acordo com outra organização setorial, em larga medida devido à dura campanha contra a bebida empreendida pelo ministro das Finanças, Nicolas Sarkozy. Leis severas vêm limitando a publicidade e promoção de vinho. A indústria e seus defensores vêm tentando contornar as leis e a regulamentação quanto a dirigir sob o efeito de álcool classificando o vinho como um alimento.
O excesso de produção é um fenômeno mundial, e especialmente penoso em Bordeaux. Mas na região, boa parte do excesso de plantio é responsabilidade dos pequenos proprietários, que dependem dos vinhedos para ganhar a vida.
Os genéricos foram superados nos mercados mundiais pelos vinhos baratos da Califórnia e, especialmente, da Austrália. Muita gente prefere os vinhos mais suaves de lugares como esses, bem como do Chile e da África do Sul.
Por muitos anos, Bordeaux ditou o gosto mundial em vinho mas, sob a liderança de alguns críticos, os consumidores começaram a rejeitar o estilo mais acentuado dos vinhos da região. Os vinicultores e distribuidores dizem que as exportações de vinhos franceses, incluindo Bordeaux, caíram em 5% em 2003, enquanto as exportações dos EUA subiram em 17% e as da Austrália, 25%.
Embora os vinicultores estejam abandonando vinhedos, o Conselho de Vinho de Bordeaux, anunciou em junho que seus membros reduziriam suas vendas de vinhos mais caros, em um esforço para estimular os preços das marcas mais baratas. Mas ninguém sabe por que preços mais altos ajudariam, já que a questão é de baixa demanda, para começar.


Tradução de Paulo Migliacci

Texto Anterior: Decoração: Entrega do IR de isentos começa amanhã
Próximo Texto: Frase
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.