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LUÍS NASSIF
O cronista do Rio
Pelo relato dos antigos, pelas
marcas que ficaram na cultura
nacional da época, sou inclinado a aceitar que, nos anos 40 e
50, o Rio era uma cidade um
tanto mais interessante do que
Poços de Caldas, pelo relato de
minhas fontes poçoscaldenses
que se mudaram para o Rio
naquele período.
O grande salto do Rio foi no
período da Segunda Guerra,
quando passou a abrigar os
exilados do jet-set internacional. O Rio dos anos 30, gostosíssimo, ainda mantinha restos
do Império e da Primeira República. O Rio dos anos 40 juntava-se em torno do jogo e do
Copacabana Palace.
Quando estourou a Segunda
Guerra, os Guinle trouxeram
para o Brasil o barão Von Stucker que, em pouco tempo, revolucionou a vida noturna carioca. De relações públicas do Copacabana Palace, o barão
aventurou-se pela noite e criou
a Vogue, a mais relevante casa
noturna que o Rio conheceu,
na Princesa Isabel.
Para abrilhantá-la, o barão
foi buscar na Europa duas figuras que se tornaram lendárias no Rio. A primeira foi o
pianista Sacha Rubin, um libanês metido a francês que tocava piano com um copo de uísque do lado e um cigarro estacionado no canto da boca.
A segunda personalidade foi
o chefe de cozinha Gregoire Belinzanski, um russo branco que
introduziu três pratos clássicos
na cozinha brasileira: o strogonoff, o frango à Kiev e o picadinho à brasileira.
A guerra expulsava para a cidade os europeus e americanos
endinheirados, querendo viver
intensamente. O lado cultural
brilhava estimulado pelo ministro da Educação, Gustavo
Capanema. O Brasil passava a
ter o seu músico oficial, Villa
Lobos, seu pintor oficial, Portinari, seu poeta oficial, Manuel
Bandeira, popularizavam-se
Drummond, Vinícius e Paulo
Mendes Campos, surgiam José
Lins do Rego e Jorge Amado,
todos girando em torno da temática nacional. O Brasil se
descobria.
A arquitetura tornava-se sofisticadamente simples com
Oscar Niemayer, Lúcio Costa e
os pouco reconhecidos três irmãos Roberto. Na decoração,
Henrique Liberal injetava uma
lufada de ar fresco nos apartamentos da avenida Atlântica,
despindo-os da imitação européia, dos cortinados de veludo
e dos móveis estilo rococó.
O grande balneário ia se
transformando na cidade mais
divertida do planeta, firmando
um novo padrão estético tanto
na literatura quanto nas artes
e na sociedade.
Perfeita tradução
Pelos idos de 20, Copacabana
não passava de um local de férias, onde as famílias mais
abastadas mantinham suas
casas de praia exclusivamente
para temporadas.
Foi nessa mesma Copacabana que na casa do avô Lauro
Muller, em 1923, nasceu Maneco, a mais perfeita tradução
para o Rio internacional dos
anos 40 e 50. O avô havia sido
ministro do Exterior, depois de
ter-se convertido numa espécie
de cuco-mor da República:
coube a ele, acompanhado de
dois tenentes, acordar o marechal Deodoro, para que não
chegasse atrasado à Proclamação da República.
Maneco tinha três anos
quando a mãe separou-se do
pai e mudou-se para a Europa,
onde o moleque ficou até os
dez anos. Voltou falando inglês e querendo ser teatrólogo.
Em 1943, suas pretensões literárias encontraram uma vocação, quando Prudente de
Moraes Neto o levou para a
"Folha Carioca". Ficaram por
seis meses apenas. A "Folha"
virou getulista e Prudente mudou-se de mala e cuia e Maneco para o "Diário Carioca".
O "Diário" era meio maluco,
mas com uma força tremenda.
Só tinha cronista. O secretário
de redação era Everardo Guilhon. Epitácio Timbaúba fazia
crônica policial. Castelinho,
crônica política. Lúcio Rangel,
crônica de música. Paulo Mendes Campos e Sérgio Porto
eram cronistas cronistas mesmo. Vinícius fazia crônicas
poéticas, assim como Fernando Lobo. Prudente fazia crônicas de turfe, com o pseudônimo de Pedro Dantas e assessoria integral da esposa, Inah
Novaes, sua prima-irmã, com
quem teve uma lua-de-mel
que entrou para as lendas boêmias da cidade.
O "Diário Carioca" lançou o
lide (a abertura seca, contendo
o tema principal do artigo), o
copidesque (o redator que trabalha o texto dos repórteres) e
a foto em movimento, uma
enorme reforma conduzida
por Pompeu de Souza, assim
que voltou dos Estados Unidos.
Aí Prudente, o cronista de
turfe, fez o convite a Maneco:
"Você vai ser cronista social".
O pequeno Maneco, de saúde
frágil mas de temperamento
petulante, que se gabava de ser
aluno de jiu-jítsu da família
Gracie, não gostou: "É coisa de
veado", respondeu.
Acabou aceitando, pois o salário não era de jogar fora. Mas
sem frescuras! Em lugar de crônicas floridas, Maneco foi buscar a receita no colunismo
americano de Elza Maxwell,
Nick Boker e Walther Nin. Notas curtas, com muito humor e
maldade, mais humor do que
maldade, mais divertido do
que agressivo. E Maneco Muller, a essa altura Jacinto de
Thormes, em sua coluna no
"Diário Carioca", inaugura a
palavra colunismo, e passa a
trazer para o ofício o padrão
estético da geração dos 40. O
"in" passa a ser o despojamento, a simplicidade, o brasileiro.
O Rio deixa de lado (quase)
definitivamente o parnasianismo, mas não a pompa. Jacinto
dá novo impulso ao "Baile das
Debutantes". Depois dele, toda
debutante carregaria eternamente no nome o título de ex-debutante. O concurso "Glamour Girl", lançado por ele,
era mais aguardado do que
eleição presidencial, consagrando algumas campeãs inesquecíveis, como Rosinha Fernandes, futura senhora Hélio
Fernandes, e Ilde Caravaglia.
Hoje, o Rio esqueceu Jacintho, aquele mesmo que Billy
Blanco satirizava em seus sambas-choro inesquecíveis.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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