São Paulo, domingo, 15 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Ortodoxia econômica some sob o peso da crise global

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

"Não somos neoliberais, nunca fomos", afirmou o ministro da Fazenda, Pedro Malan, em debate na sexta-feira organizado pelo BNDES, no Rio de Janeiro.
Entre os economistas estrangeiros também ganham força as visões ultracríticas de nomes como Joseph Stiglitz, que chegou a denunciar o baixo nível educacional de técnicos do FMI e do Bird e nos últimos anos aderiu a uma campanha permanente de denúncia do Consenso de Washington (que reuniria as tais políticas neoliberais).
Será o caso de declarar o economista liberal ortodoxo uma espécie em extinção?
O fato é que parece ter surgido um outro consenso, antiliberal.
Os efeitos da crise global sobre os países em desenvolvimento são tão dramáticos que os defensores das políticas neoliberais e mesmo alguns dos que colaboraram com a sua execução tornaram-se invisíveis ou mudaram de discurso.
Uma leitura um pouco mais detalhada das notícias, no entanto, ajuda a desfazer um pouco essa impressão. No BNDES, por exemplo, Malan teria dito sobre política industrial que é "perda de tempo definir o que é isso".
O importante, teria dito o czar da economia do real, é evitar o retorno a políticas do passado, como emprestar "dinheiro a empresários com taxas de juros bem inferiores à inflação, criando até mesmo o gosto das empresas pela política inflacionária".
O ministro da Fazenda usa muito a palavra "eficiente". O BNDES, afirma, faz uma "política eficiente de investimentos". Não interessa a Pedro Malan o que significa "política industrial", mas a defesa de um "Estado eficiente".
Observei, ao longo dos últimos 20 anos de jornalismo econômico nesta Folha, várias ondas, pacotes e modas no debate econômico, sempre criticando o consenso ultraliberal. Entretanto, diante desse novo consenso antiliberal, arrisco uma defesa das preocupações da ortodoxia.
O principal argumento dos economistas que não têm vergonha de criticar a ação do Estado ou de defender as virtudes dos mercados é o que alerta para a falta de critérios objetivos ou neutros para a ação do Estado.
Nada seria mais eficiente que o sistema de preços para orientar as decisões privadas de investidores e consumidores.
O Plano Real, por exemplo, tinha como objetivo central garantir ao sistema de preços um funcionamento mais eficiente. A correção monetária era uma regra, imposta pelo Estado, que impedia o funcionamento eficiente dos mercados.
Outras medidas, sempre no sentido de desestatizar a economia, também atenderam prioritariamente a esse objetivo de garantir que o sistema de preços, influenciado pelas forças do mercado, ganhasse eficiência.
Resta saber se é possível falar de Estado eficiente como contraponto ao ideário neoliberal.
Nesse ponto, entretanto, interessa discutir o conceito de eficiência do Estado. Qual o significado, quais os indicadores de eficiência da ação do Estado?
No caso da política industrial, por exemplo, é impossível encontrar uma definição e mesmo indicadores de eficiência objetivos. Trata-se de estratégias, sempre subjetivas, ligadas a interesses e projetos políticos.
Ao defender a eficiência do Estado sem admitir a discussão do que afinal se entende por política industrial, o ministro Malan entra em contradição. Não há como dizer se o Estado é eficiente sem debater os critérios subjetivos de sua ação, como sempre alertaram, acertadamente, os autênticos e ortodoxos liberais.


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