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ANÁLISE
Um novo fracasso, pelas velhas causas
DO ENVIADO A CANCÚN
É perfeita a ironia da ONG Public Citizen, segundo a qual Cancún foi uma "Seattle na praia". De
fato, há muitas semelhanças entre
o fracasso da OMC agora e em
Seattle, há quatro anos. Primeiro,
o visual: em Seattle e em Cancún
as ONGs festejaram o fracasso como se ele se devesse a elas.
É uma verdade muito parcial.
Por mais que Seattle tenha ficado
marcada como o primeiro grande
protesto contra o modelo de globalização "corporativa", como a
chamam os críticos, o fato é que
não foram os protestos fora do
Centro de Convenções que levaram ao colapso, mas as divergências dentro dele entre os países-membros da OMC.
Agora, de novo foi assim. Mas é
justo acrescentar que o papel de
suporte que as ONGs estão dando
aos países em desenvolvimento
criou uma nova dinâmica nas negociações e fortaleceu o lado que
sempre foi mais fraco. Já não se
sentem amedrontados a ponto de
cederem quando os países ricos
começam a pressioná-los, o que
sempre acontece.
Segundo ponto de contato com
Seattle: há uma imensa resistência
dos países em desenvolvimento,
em especial os mais pobres, para
aceitar a inclusão na agenda da
OMC dos chamados "novos temas", ou "temas de Cingapura"
(investimentos, compras governamentais, facilitação de negócios
e políticas de concorrência).
Tome-se o caso da Índia, um
dos países decisivos para o impasse que levou ao colapso de Cancún: o governo quer ter o direito
de adotar políticas industriais, o
que significa flexibilidade para
exigir dos investidores estrangeiros um dado tipo de compromissos. Um acordo de investimentos,
nos moldes propostos pelos países desenvolvidos, levaria ao
oposto: liberdade para os capitais,
não para as políticas públicas.
Contribui para a enorme reticência dos países em desenvolvimento o fato de que nunca se
cumprem as formidáveis benesses que adviriam do livre comércio, conforme propalam, uma e
outra vez, os países ricos e uma
parte considerável dos especialistas em comércio.
Agora, o anzol dos ganhos portentosos ressurgiu com força: o
Banco Mundial chegou a calcular
que, se concluída satisfatoriamente no final de 2004, tal como
previsto, a nova rodada comercial
tiraria 144 milhões de pessoas da
pobreza e representaria um acréscimo de cerca de US$ 520 bilhões
à renda global até 2015.
Sedutor, não fosse o fato de que,
após terminado o ciclo anterior
de liberalização comercial (a Rodada Uruguai, que foi de 1986 a
1993), cálculos similares foram
anunciados e, mais ainda, se dizia
que a maior parte do bolo do crescimento iria para os países em desenvolvimento.
Aconteceu o contrário. Pior: temas de interesse para os países
em desenvolvimento continuam
pendentes de implementação.
Tanto assim que o ministro Celso
Amorim ironizou, na entrevista
coletiva do G21, após o fracasso de
Cancún, que agricultura era o "assunto não terminado, ou melhor,
não iniciado" para a OMC.
É uma alusão ao fato de que, enquanto o comércio de bens não-agrícolas foi fortemente liberalizado nos últimos 20 anos, a agricultura continua sendo o reinado
da proteção por parte dos países
desenvolvidos, que gastam cerca
de US$ 1 bilhão por dia para proteger seus produtores.
Idêntica é a situação dos produtos têxteis, área em que alguns
países em desenvolvimento têm
grande competitividade, mas enfrentam barreiras dos ricos.
"São demandas altamente razoáveis", diz Michael Bailey, diretor da ONG britânica Oxfam. "Os
países desenvolvidos deveriam
ter interesse nelas porque a prosperidade de países como Índia e
Brasil seria favorável também para o mundo rico", completa.
Em Cancún, no entanto, as demandas "razoáveis" não conseguiram espaço. O fracasso foi decorrência inevitável.
(CR)
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