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ARTIGO
Não olhe para baixo
PAUL KRUGMAN
Durante os anos 90 passei
muito tempo concentrado
nas crises econômicas ao redor do
mundo -em particular nas crises monetárias como as que atingiram o Sudeste Asiático em 1997
e a Argentina em 2001. É difícil
prever quando essas crises vão
ocorrer. Mas existem sinais de advertência, como grandes déficits
comerciais e orçamentários e dívidas crescentes.
E há uma coisa que não posso
deixar de notar: um país do Terceiro Mundo com os números recentes dos EUA -enormes déficits orçamentário e comercial,
crescente dependência de empréstimos de curto prazo do resto
do mundo- definitivamente estaria na lista de cautela.
Não sou o único que pensa assim. A Lehman Brothers tem um
modelo matemático conhecido
como Dâmocles que ela chama de
"sistema de advertência precoce
para identificar a probabilidade
de países entrarem em crises financeiras". Os países em desenvolvimento parecem bastante seguros hoje em dia. Mas a aplicação do mesmo modelo a alguns
países desenvolvidos "faria o alarme de Dâmocles tocar". O comunicado de imprensa da Lehman
acrescenta: "A mais conspícua
dessas ameaças são os EUA".
Está bem, vamos repassar alguns contra-argumentos tranquilizadores.
Primeiro, os economistas são
muito bons para criar modelos
que teriam previsto crises passadas, mas cada nova crise tende a
acontecer onde e quando eles não
esperavam. Por isso, mesmo que
nosso déficit orçamentário seja
maior em relação à economia do
que o da Argentina em 2000 e que
nosso déficit comercial seja maior
em relação à economia do que o
da Indonésia em 1996, nossa experiência não precisa ser igual.
Segundo, crises difíceis nos países do Terceiro Mundo têm muito
a ver com o fato de sua dívida ser
em moeda estrangeira, geralmente em dólares. Em consequência,
quando o peso ou a rupia despencam, as dívidas explodem enquanto os ativos não, e os balanços desmoronam. Em contraste,
graças ao papel internacional especial do dólar, a crescente dívida
externa dos EUA é em nossa própria moeda.
Finalmente, os mercados financeiros geralmente se dispõem a
dar aos países desenvolvidos o benefício da dúvida. Mesmo quando um país desenvolvido parece
estar em um profundo buraco financeiro, os credores geralmente
supõem que, de alguma forma,
ele encontrará os recursos e a
vontade política para sair dele.
Então os EUA estão seguros,
apesar dos atuais números assustadores?
Os países do Terceiro Mundo
geralmente sofrem de fraquezas
institucionais. Eles têm uma fraca
governança corporativa: você não
pode confiar na contabilidade das
empresas, e pessoas privilegiadas
geralmente enriquecem às custas
dos acionistas. Enquanto isso, o
favoritismo é generalizado, com
ligações pessoais e financeiras entre políticos poderosos e as próprias companhias que se beneficiam da generosidade pública. Felizmente, nos EUA não temos nenhuma dessas fraquezas. Oh, espere... (Aquilo tudo não é passado? Não. Segundo "The Wall
Street Journal", estamos novamente ouvindo advertências de
que "o otimismo se baseia em
rendimentos massageados".)
Ainda assim, não há dúvida de
que os EUA têm recursos para
sair do buraco financeiro. A questão é se têm a vontade política.
Hoje existe uma enorme lacuna
estrutural -isto é, uma lacuna
que não vai desaparecer mesmo
que a economia se recupere- entre os gastos e a renda dos EUA.
Por enquanto, empréstimos podem preencher essa lacuna. Mas,
com o tempo, deverá haver um
grande aumento de impostos ou
grandes cortes em programas populares. Se nosso sistema político
não puder escolher uma alternativa ou outra -e até agora o comandante-em-chefe se recusa até
a admitir que temos um problema -, acabaremos enfrentando
uma grave crise financeira.
A crise não virá imediatamente.
Durante alguns anos os EUA ainda conseguirão tomar empréstimos à vontade, simplesmente
porque os credores supõem que
as coisas de alguma forma vão se
solucionar.
Mas, a certa altura, teremos um
momento Wile E. Coyote. Para
aqueles que não conhecem os desenhos animados do Papa-Léguas, o Coyote tem o hábito de
saltar de despenhadeiros e dar vários passos no ar antes de perceber que não havia nada sob seus
pés. Somente então ele despenca.
Como será esse mergulho? Certamente ele envolverá uma queda
acentuada do dólar e um aumento acentuado das taxas de juros.
No pior cenário, o acesso do governo aos empréstimos será cortado, criando uma crise de caixa
que jogará o país no caos.
Eu sei: tudo isso parece inacreditável. Mas você teria acreditado,
três anos atrás, que o Orçamento
dos EUA despencaria tão rapidamente de um superávit recorde
para um déficit recorde? E você
teria acreditado que, confrontados com essa queda, nossos líderes ofereceriam desculpas em vez
de soluções?
Paul Krugman, economista e professor
na Universidade Princeton (EUA), é colunista do "New York Times".
Tradução de Luiz Roberto Gonçalves
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