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LUÍS NASSIF
As liminares e a soja verde
A tentativa da China de
atropelar os contratos de
compra de soja brasileira está
produzindo um risco nada desprezível para a cadeia do produto, especialmente em Goiás.
O novo Código Civil prevê renegociação de contratos, em caso de fatores externos que modifiquem substancialmente seu
equilíbrio econômico-financeiro. É um princípio que já existia
no Código anterior, mas foi reforçado.
Há muito o que avançar no
mercado de soja para fortalecer
os pequenos produtores nas relações com as grandes "tradings". O próprio Banco do Brasil está com um programa agressivo de financiamento de armazéns. Há muitos outros pontos a
merecer consideração -que
continuarão a ser abordados pela coluna.
O que está ocorrendo em
Goiás não é bem isso. Um dos
pontos que permitiram o salto
na produção de soja na última
década (e que pode e precisa ser
aprimorado) foi a venda a futuro da produção. O agricultor começa a plantar em outubro e
não quer correr o risco de, no
momento da venda, as cotações
caírem e não cobrirem os custos
de produção. Ele reserva parte
da produção e vende antecipadamente -ou nas Bolsas de futuros ou para as próprias "tradings". Dali até a entrega do
produto ele escolhe o momento
de "travar" o preço, isto é, de definir a cotação a ser paga, com
base nas cotações de Chicago. As
"tradings" podem dar essa garantia porque, por sua vez, elas
"travam" o preço na Bolsa de
Chicago, transferindo o risco (de
ganhar se os preços caem ou perder se os preços sobem) para os
compradores de contratos futuros da Bolsa de Chicago, os fundos especulativos.
No ano passado, produtores
de Goiás venderam a soja a futuro a US$ 10 a US$ 12 o bushel.
As cotações subiram por conta
do efeito China e chegaram a
bater nos US$ 17. Alguns produtores goianos decidiram vender
sua produção para terceiros,
atropelando os contratos. Quando as "tradings" tentaram impedir, entraram em ação escritórios de advocacia conseguindo
a chamada "tutela antecipada"
-isto é, autorização de juízes
de primeira instância para liberar a venda, independentemente do julgamento do mérito.
Com a "tutela", cria-se o chamado fato consumado, uma derivada da indústria de liminares
-na qual a liminar, por não
permitir o retorno à situação
anterior, vira sentença definitiva.
Provavelmente os agricultores
serão derrotados nas instâncias
superiores, já que não ocorreu
nenhum cataclismo conjuntural, mas efeitos comuns ao mercado futuro de commodities
-se o preço da soja caísse, a
operação lhes daria lucro.
Quais as conseqüências? A primeira é que, se proliferar esse tipo de esperteza, vai se destruir a
veia de irrigação que permitiu
ao agronegócio contornar a falta de crédito no país. A segunda
é que as cotações da soja estão
despencando. Hoje, já batem
nos US$ 7. Os fazendeiros que
foram na conversa dos advogados não terão mais acesso a essa
antecipação de crédito.
Os únicos que não perderão
com essa aventura serão os escritórios de advocacia.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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