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LUÍS NASSIF
A Alca e os interesses brasileiros
Afinal, de que maneira contemplar os interesses brasileiros nas
negociações a respeito da Alca?
Principal crítico da aceleração
do processo, o senador José Serra
(PSDB-SP) defende a tese de que,
se a integração é inevitável, deve
ser feita aos poucos, sem pressa, e
bastante atento às peculiaridades
da economia brasileira.
Até pouco tempo atrás, o Brasil
não dispunha de tradição de negociações comerciais externas. Só
muito recentemente essa estrutura começou a se movimentar.
A principal ressalva é que, ao
contrário do Mercado Comum
Europeu, a Alca é meramente um
acordo comercial, pertence ao gênero das Zonas Francas de Livre
Comércio, onde as mercadorias
circulam, mas sem uma política
comercial comum, ou mobilidade
dos fatores de produção.
A União Européia tem outras
características:
* além do comércio livre de barreiras tarifárias e não-tarifárias,
adota uma política comum para
o resto do mundo (no estilo
União Alfandegária) e políticas
setoriais harmonizadas, a exemplo da Política Agrícola Comum;
* prevê a livre movimentação
do capital e da força de trabalho
dentro do seu perímetro;
* também são relevantes as políticas e destinação de recursos
para a reconversão produtiva.
Nada disso é contemplado na
Alca. Não viriam recursos adicionais para consolidar a infra-estrutura brasileira. E o Brasil ainda enfrentaria as seguintes desvantagens:
1) no âmbito das práticas de
dumping comercial, teria de trocar os instrumentos mais eficientes da Organização Mundial do
Comércio por mecanismos que,
no âmbito do Nafta (o bloco comercial formado pelos EUA, Canadá e México), são extremamente complexos;
2) cerca de 110 acordos bilaterais ou sub-regionais existentes
garantem a destinação de 23%
das exportações brasileiras para
a região. Esses acordos certamente seriam questionados no âmbito da Alca.
As múltis latinas
Um terceiro ponto seria a interrupção do processo de preparação das multinacionais latino-americanas, para concorrer em
um ambiente global. Citado por
Serra, o professor Kotaro Horisaka preparou trabalho sobre a internacionalização das empresas
da região.
Percebeu ele que o amadurecimento de uma percepção autenticamente global nos negócios
tem levado -especialmente no
Brasil, Argentina e Chile- ao
surgimento de "multinacionais
de Terceiro Mundo". Os executivos estão aprendendo, na prática, a formular estratégias internacionais filtradas pela definição de mercados regionais e
sub-regionais.
A criação desses grupos tem se
dado de forma preferencial de
expansão, em contraposição à
formação de alianças, joint ventures ou estabelecimento de subsidiárias.
Por isso, a conquista de mercados é um fator mais importante
que a relocalização de plantas
visando ao aproveitamento de
vantagens comparativas clássicas
(como custos salariais menores).
As chances de enraizamento
empresarial do Mercosul estão ligadas à evolução da estratégia
apontada, que poderia ser atropelada por uma radicalização da
abertura comercial no continente.
Por isso, Serra defende a implantação do livre comércio nas
Américas, mas acompanhada,
numa primeira etapa, pela eliminação (total ou substancial) das
barreiras não-tarifárias impostas
pelos Estados Unidos sobre as exportações do Brasil e de outros
países (relação mencionada parcialmente na coluna de ontem),
sem concessões do nosso lado,
simplesmente porque elas já foram feitas -as tarifas estão baixas e os controles quantitativos
foram eliminados desde 1990.
Resta saber se o outro lado concorda.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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