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OPINIÃO ECONÔMICA
De impostos e imposturas
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
"Os impostos são as quotas
que pagamos pelo privilégio de
pertencer a uma sociedade organizada", disse certa vez Franklin Roosevelt.
Bem. No Brasil, uma frase como essa não pode ser repetida
sem adquirir pesada conotação
sarcástica.
O brasileiro, da classe média
para baixo, já suporta hoje uma
carga fiscal relativamente elevada para padrões internacionais. Nos anos recentes, a tributação aumentou significativamente. E, no entanto, a prestação de serviços por parte do Estado continua deixando muito
a desejar (para dizer o mínimo).
Agora, em nome do ajustamento do déficit público e do
acordo com o FMI, querem aumentar os impostos ainda mais.
Vamos tentar colocar a questão em perspectiva. Peço a paciência do leitor para apresentar alguns poucos números.
Recentemente, a Receita Federal divulgou um levantamento
da carga tributária macroeconômica, com estatísticas até
1997. Os dados dizem respeito
ao setor público como um todo.
Incluem todos os impostos, contribuições e taxas arrecadados
pelos governos federal, estaduais e municipais.
Entre 1991 e 1993, no triênio
que antecedeu o lançamento do
Plano Real, a carga tributária
bruta representava 25% do PIB,
em média. Em 1994, a carga aumentou para 28,6% do PIB e se
manteve em torno de 28% nos
anos seguintes. No ano passado,
representou 27,8% do PIB, nível
bastante alto para um país em
desenvolvimento. Com isso, a
carga fiscal brasileira ficou bastante próxima, diga-se de passagem, dos níveis registrados
nos EUA e no Japão, as duas
economias desenvolvidas que
apresentam cargas tributárias
mais reduzidas.
Que benefício tiraram os brasileiros dessa ampliação expressiva da carga fiscal? Eis aí uma
questão difícil de responder. Se
pelo menos o déficit público tivesse caído... Mas nem isso. Ao
contrário, de 1995 em diante, o
déficit das contas do governo
aumentou de forma quase contínua, impulsionado em grande
medida pelas taxas de juro e pelo crescimento das despesas financeiras.
Ah, meus amigos, é triste pagar impostos numa sociedade
desorganizada. Para coroar a
afronta, teremos em 1999 um
aumento de impostos em pleno
período recessivo! Tudo isso para ajudar a pagar a conta de juros do governo, inflada pela nova rodada de aumento das taxas internas de juro e pela expansão da dívida pública de
curto prazo. Entre janeiro e julho deste ano, mesmo antes do
novo choque de juros, a carga financeira do setor público como
um todo representava 7,3% do
PIB, o equivalente a cerca de
um quarto da carga tributária
bruta.
Não se pode perder de vista
que a economia brasileira estava praticamente estagnada
mesmo antes da turbulência desencadeada pelo colapso da
Rússia em agosto último. No
primeiro semestre de 1998, o PIB
do Brasil cresceu mísero 1,2%
em comparação com o mesmo
período do ano passado. Nas regiões metropolitanas do país, as
taxas de desemprego já haviam
batido recordes históricos.
Em outras palavras, quando
veio o choque desencadeado pela Rússia, a economia brasileira
ainda não havia se recuperado
das repercussões da crise anterior no leste da Ásia.
Com a acentuada retração na
oferta de recursos externos desde agosto, a nova alta brutal
dos juros internos em setembro
e a perspectiva de um forte ajustamento das contas públicas
(agora sob monitoramento do
FMI), já ninguém se anima a
prever que a economia conseguirá escapar de uma contração
severa dos níveis de atividade e
de emprego e, portanto, da base
real sobre a qual incidem os impostos e contribuições.
Nessas condições, e considerados os antecedentes, como imaginar que um aumento adicional da carga tributária possa
ser o remédio mais indicado?
Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e
professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
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