São Paulo, quinta, 15 de outubro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA

De impostos e imposturas

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

"Os impostos são as quotas que pagamos pelo privilégio de pertencer a uma sociedade organizada", disse certa vez Franklin Roosevelt.
Bem. No Brasil, uma frase como essa não pode ser repetida sem adquirir pesada conotação sarcástica.
O brasileiro, da classe média para baixo, já suporta hoje uma carga fiscal relativamente elevada para padrões internacionais. Nos anos recentes, a tributação aumentou significativamente. E, no entanto, a prestação de serviços por parte do Estado continua deixando muito a desejar (para dizer o mínimo).
Agora, em nome do ajustamento do déficit público e do acordo com o FMI, querem aumentar os impostos ainda mais.
Vamos tentar colocar a questão em perspectiva. Peço a paciência do leitor para apresentar alguns poucos números.
Recentemente, a Receita Federal divulgou um levantamento da carga tributária macroeconômica, com estatísticas até 1997. Os dados dizem respeito ao setor público como um todo. Incluem todos os impostos, contribuições e taxas arrecadados pelos governos federal, estaduais e municipais.
Entre 1991 e 1993, no triênio que antecedeu o lançamento do Plano Real, a carga tributária bruta representava 25% do PIB, em média. Em 1994, a carga aumentou para 28,6% do PIB e se manteve em torno de 28% nos anos seguintes. No ano passado, representou 27,8% do PIB, nível bastante alto para um país em desenvolvimento. Com isso, a carga fiscal brasileira ficou bastante próxima, diga-se de passagem, dos níveis registrados nos EUA e no Japão, as duas economias desenvolvidas que apresentam cargas tributárias mais reduzidas.
Que benefício tiraram os brasileiros dessa ampliação expressiva da carga fiscal? Eis aí uma questão difícil de responder. Se pelo menos o déficit público tivesse caído... Mas nem isso. Ao contrário, de 1995 em diante, o déficit das contas do governo aumentou de forma quase contínua, impulsionado em grande medida pelas taxas de juro e pelo crescimento das despesas financeiras.
Ah, meus amigos, é triste pagar impostos numa sociedade desorganizada. Para coroar a afronta, teremos em 1999 um aumento de impostos em pleno período recessivo! Tudo isso para ajudar a pagar a conta de juros do governo, inflada pela nova rodada de aumento das taxas internas de juro e pela expansão da dívida pública de curto prazo. Entre janeiro e julho deste ano, mesmo antes do novo choque de juros, a carga financeira do setor público como um todo representava 7,3% do PIB, o equivalente a cerca de um quarto da carga tributária bruta.
Não se pode perder de vista que a economia brasileira estava praticamente estagnada mesmo antes da turbulência desencadeada pelo colapso da Rússia em agosto último. No primeiro semestre de 1998, o PIB do Brasil cresceu mísero 1,2% em comparação com o mesmo período do ano passado. Nas regiões metropolitanas do país, as taxas de desemprego já haviam batido recordes históricos.
Em outras palavras, quando veio o choque desencadeado pela Rússia, a economia brasileira ainda não havia se recuperado das repercussões da crise anterior no leste da Ásia.
Com a acentuada retração na oferta de recursos externos desde agosto, a nova alta brutal dos juros internos em setembro e a perspectiva de um forte ajustamento das contas públicas (agora sob monitoramento do FMI), já ninguém se anima a prever que a economia conseguirá escapar de uma contração severa dos níveis de atividade e de emprego e, portanto, da base real sobre a qual incidem os impostos e contribuições.
Nessas condições, e considerados os antecedentes, como imaginar que um aumento adicional da carga tributária possa ser o remédio mais indicado?


Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna. E-mail: pnbjr@ibm.net



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