São Paulo, quinta-feira, 15 de novembro de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O dólar em apuros

O risco maior é que a depreciação gradual do dólar se transforme subitamente em colapso

O DÓLAR, antiga potência mundial, é hoje uma moeda frágil, problemática. Vem apanhando feio nos mercados cambiais, até de moedas notoriamente subdesenvolvidas, como o nosso real. A fragilidade do dólar não é recente, mas foi exacerbada pela crise financeira dos últimos meses. Na raiz do problema, está a elevada dependência da economia americana em relação a capitais externos. O déficit em conta corrente dos EUA alcançou mais de 6% do PIB em 2005 e 2006. Só agora, em 2007, nota-se certa diminuição, atribuída aos efeitos da depreciação do dólar sobre as exportações e as importações americanas.
Como observou Alan Greenspan, ex-presidente do Fed, o risco é que, em algum momento, os investidores estrangeiros se recusem a aumentar a participação de ativos denominados em dólares nos seus portfólios.
Há indicações de que esse momento talvez esteja se aproximando. Em agosto, no auge do terremoto financeiro, a saída de capital dos EUA chegou a US$ 163 bilhões.
A crise financeira recente fragiliza o dólar por dois motivos, pelo menos. Primeiro porque gera desconfiança quanto à solidez dos mercados e dos bancos dos EUA. Segundo porque cria a expectativa de que os juros dos EUA cairão relativamente aos de outros países, tornando as aplicações em dólares menos competitivas. Expectativas de juros menores e de depreciação cambial, somadas a dúvidas quanto à confiabilidade das instituições financeiras do país, formam a receita segura para desencadear a saída de capitais.
O Fed enfrenta, portanto, dilemas difíceis. O mais comentado -o "trade-off" entre inflação e crescimento- é apenas um deles. Mais grave parece ser o dilema entre estabilizar o sistema financeiro e preservar a confiança no dólar. Uma diminuição mais agressiva das taxas de juro favoreceria a estabilização financeira, mas colocaria em risco o financiamento dos desequilíbrios externos e o valor externo do dólar.
A preferência do governo americano é pela continuação de uma desvalorização gradual do dólar. Isso contribui para o ajustamento do balanço de pagamentos e ajuda a diminuir o risco de uma recessão, possibilidade que se tornou muito real depois do terremoto financeiro.
No entanto, esse processo de ajustamento tem sido assimétrico e instável. A China se recusa a permitir uma apreciação mais rápida da sua moeda. O superávit chinês em conta corrente ainda está aumentando. O do Japão continua elevado e não dá mostras de que irá se reduzir significativamente no curto prazo.
Assim, a contrapartida da depreciação do dólar tem recaído sobre o euro, o dólar canadense e o dólar australiano, moedas que flutuam de forma mais ou menos livre. Algumas moedas subdesenvolvidas, como o real, também estão contribuindo com a sua dose de apreciação. O problema é que a apreciação cambial solapa a competitividade internacional e ameaça o crescimento econômico desses países. Os europeus já estão bastante preocupados com a valorização do euro. Não querem que a sua moeda seja a principal válvula de escape para o dólar.
O risco maior é que a desvalorização gradual do dólar se transforme subitamente em colapso. Uma queda abrupta do dólar poderia ser provocada por uma perda de confiança nos ativos em dólares ou provocar, ela mesma, a perda de confiança na moeda americana. Acuado pelo medo da recessão e pela gravidade da crise no sistema financeiro, o Fed dificilmente reagiria a isso com aumentos acentuados dos juros. O que deteria, então, a queda livre da moeda americana?


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


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