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Inflação e recessão determinam novas políticas
CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial
Até o presidente do principal
partido de oposição ao governo
(José Dirceu, do PT) admite: "Hoje, o país é outro e a situação do governo é outra".
Traduzindo: a livre flutuação do
câmbio, o que equivaleu na prática
a uma maxidesvalorização do real,
zerou o jogo político e econômico,
ao derrubar duas fortalezas que
pareciam inexpugnáveis: a combinação de juros altos com uma
moeda sobrevalorizada.
Contra tais fortalezas, formara-se uma poderosa e multifacetada
coalizão opositora, que ia do PT a
importantes setores do empresariado, passando por ministros do
próprio governo, chamados, com a
precariedade de todo rótulo, de
"desenvolvimentistas".
Em tese, e à primeira vista, ganhou tal coalizão. Mas é um resultado muito preliminar e precário.
As novas coalizões que vão se
formar, dentro e fora do governo, a
favor ou contra ele, dependem de
respostas, em primeiro lugar, a
duas perguntas:
1 - A desvalorização levará a um
repique da inflação, com o inevitável desgaste do governo?
A resposta otimista é de Tasso Jereissati (PSDB), governador do
Ceará, fiel governista:
"Se o limite que o tal de mercado
definir para o valor do dólar for esse (R$ 1,44 por dólar, como estava
no fim da tarde de ontem), não haverá uma repercussão tão grande
sobre a inflação".
A resposta amargurada é de
Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio do Estado de
São Paulo: "No primeiro trimestre,
como os juros devem continuar altos, não acredito em pressão de demanda que favoreça aumento de
preços".
Parece otimista, mas é inquieta,
pois Szajman acha que as vendas
vão continuar baixas e que "as empresas, portanto, vão continuar no
sofrimento".
Resposta objetiva, obtida pela
Folha junto a consultores do empresariado: se a desvalorização do
real se mantiver no patamar entre
20% e 25%, a inflação saltará para
perto de 10% ao ano, nível por eles
considerado "nada desprezível".
No governo, no entanto, a expectativa vai na direção oposta, qual
seja a de achar que, por estar o país
à beira de uma depressão econômica, o repique inflacionário não
será nada dramático.
2 - Que influência terá a desvalorização sobre o nível de atividade
econômica?
De novo, Tasso, também empresário, é o otimista, já que acha que
a desvalorização "dá margem para
a redução dos juros".
No empresariado, a sensação
preliminar obtida pela Folha é a de
que a recessão no primeiro trimestre já está dada e, portanto, a mudança cambial não altera nada.
Mas, para o segundo semestre, a
expectativa é a de que a situação
seja bem mais favorável, podendo
o país ficar com crescimento zero,
em vez de -1% como previa, inicialmente, o próprio governo.
Já o "novo país" antevisto por José Dirceu será bem pior: "Como a
desvalorização foi selvagem, as
consequências serão também selvagens em termos de poder de
compra e aumento do desemprego", diz o presidente do PT.
No governo, como é óbvio, trabalha-se com a perspectiva contrária: a de que, mantida a desvalorização na faixa de 20% a 30%, esquentam as exportações, melhoram as vendas dos setores internos
que competem com os importados
(que se tornarão mais caros e, portanto, menos competitivos) e, com
a queda dos juros (prevista para
ocorrer a partir de duas ou três semanas para a frente), a situação geral melhorará.
Há, no entanto, consenso, de resto óbvio, no sentido de que os setores endividados em dólares sofrerão muito com o novo valor da
moeda norte-americana.
As dificuldades
Mesmo os que apostam no cenário mais otimista advertem que algumas dificuldades não mudaram
de tamanho com a desvalorização.
"O aperto dos governos estaduais continua", lembra, por
exemplo, Tasso Jereissati, que teme o que chama de "estragos novos", na forma de moratórias,
abertas ou disfarçadas, de Estados
como o Rio Grande do Sul e o Rio
de Janeiro.
No empresariado, por sua vez,
insiste-se na necessidade de que se
faça o ajuste fiscal. "Só o câmbio
não vai resolver, se não se fizer o
ajuste fiscal", diz, por exemplo,
Abram Szajman.
Como o ajuste fiscal tem o efeito
de contrair a atividade econômica,
trata-se de uma segunda dificuldade política.
Como o governo vai se adaptar
politicamente à nova situação?
Ninguém ousa dar uma resposta
definitiva, quando a situação está
muito longe de se ter normalizado.
Mas o fato de o pólo dito "monetarista" do governo, encarnado mais
nitidamente por Gustavo Franco,
o ex-presidente do Banco Central,
estar agora desfeito fortalece, por
extensão, o grupo dito "desenvolvimentista" e seus aliados no empresariado.
Mas, no próprio governo, há
quem ache que, desatado o nó formado por juros altos e real sobrevalorizado, não há necessidade de
qualquer novo pólo. A Folha ouviu, junto ao governo, a avaliação
de que, sem esse nó, a economia
voltará a crescer, talvez ainda este
ano, o que criará espaço para políticas sociais e de emprego.
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