São Paulo, sábado, 16 de janeiro de 1999

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Inflação e recessão determinam novas políticas

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

Até o presidente do principal partido de oposição ao governo (José Dirceu, do PT) admite: "Hoje, o país é outro e a situação do governo é outra".
Traduzindo: a livre flutuação do câmbio, o que equivaleu na prática a uma maxidesvalorização do real, zerou o jogo político e econômico, ao derrubar duas fortalezas que pareciam inexpugnáveis: a combinação de juros altos com uma moeda sobrevalorizada.
Contra tais fortalezas, formara-se uma poderosa e multifacetada coalizão opositora, que ia do PT a importantes setores do empresariado, passando por ministros do próprio governo, chamados, com a precariedade de todo rótulo, de "desenvolvimentistas".
Em tese, e à primeira vista, ganhou tal coalizão. Mas é um resultado muito preliminar e precário.
As novas coalizões que vão se formar, dentro e fora do governo, a favor ou contra ele, dependem de respostas, em primeiro lugar, a duas perguntas:
1 - A desvalorização levará a um repique da inflação, com o inevitável desgaste do governo?
A resposta otimista é de Tasso Jereissati (PSDB), governador do Ceará, fiel governista:
"Se o limite que o tal de mercado definir para o valor do dólar for esse (R$ 1,44 por dólar, como estava no fim da tarde de ontem), não haverá uma repercussão tão grande sobre a inflação".
A resposta amargurada é de Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo: "No primeiro trimestre, como os juros devem continuar altos, não acredito em pressão de demanda que favoreça aumento de preços".
Parece otimista, mas é inquieta, pois Szajman acha que as vendas vão continuar baixas e que "as empresas, portanto, vão continuar no sofrimento".
Resposta objetiva, obtida pela Folha junto a consultores do empresariado: se a desvalorização do real se mantiver no patamar entre 20% e 25%, a inflação saltará para perto de 10% ao ano, nível por eles considerado "nada desprezível".
No governo, no entanto, a expectativa vai na direção oposta, qual seja a de achar que, por estar o país à beira de uma depressão econômica, o repique inflacionário não será nada dramático.
2 - Que influência terá a desvalorização sobre o nível de atividade econômica?
De novo, Tasso, também empresário, é o otimista, já que acha que a desvalorização "dá margem para a redução dos juros".
No empresariado, a sensação preliminar obtida pela Folha é a de que a recessão no primeiro trimestre já está dada e, portanto, a mudança cambial não altera nada.
Mas, para o segundo semestre, a expectativa é a de que a situação seja bem mais favorável, podendo o país ficar com crescimento zero, em vez de -1% como previa, inicialmente, o próprio governo.
Já o "novo país" antevisto por José Dirceu será bem pior: "Como a desvalorização foi selvagem, as consequências serão também selvagens em termos de poder de compra e aumento do desemprego", diz o presidente do PT.
No governo, como é óbvio, trabalha-se com a perspectiva contrária: a de que, mantida a desvalorização na faixa de 20% a 30%, esquentam as exportações, melhoram as vendas dos setores internos que competem com os importados (que se tornarão mais caros e, portanto, menos competitivos) e, com a queda dos juros (prevista para ocorrer a partir de duas ou três semanas para a frente), a situação geral melhorará.
Há, no entanto, consenso, de resto óbvio, no sentido de que os setores endividados em dólares sofrerão muito com o novo valor da moeda norte-americana.

As dificuldades
Mesmo os que apostam no cenário mais otimista advertem que algumas dificuldades não mudaram de tamanho com a desvalorização.
"O aperto dos governos estaduais continua", lembra, por exemplo, Tasso Jereissati, que teme o que chama de "estragos novos", na forma de moratórias, abertas ou disfarçadas, de Estados como o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro.
No empresariado, por sua vez, insiste-se na necessidade de que se faça o ajuste fiscal. "Só o câmbio não vai resolver, se não se fizer o ajuste fiscal", diz, por exemplo, Abram Szajman.
Como o ajuste fiscal tem o efeito de contrair a atividade econômica, trata-se de uma segunda dificuldade política.
Como o governo vai se adaptar politicamente à nova situação?
Ninguém ousa dar uma resposta definitiva, quando a situação está muito longe de se ter normalizado. Mas o fato de o pólo dito "monetarista" do governo, encarnado mais nitidamente por Gustavo Franco, o ex-presidente do Banco Central, estar agora desfeito fortalece, por extensão, o grupo dito "desenvolvimentista" e seus aliados no empresariado.
Mas, no próprio governo, há quem ache que, desatado o nó formado por juros altos e real sobrevalorizado, não há necessidade de qualquer novo pólo. A Folha ouviu, junto ao governo, a avaliação de que, sem esse nó, a economia voltará a crescer, talvez ainda este ano, o que criará espaço para políticas sociais e de emprego.



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