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LUÍS NASSIF
A AmBev e o direito econômico
Dois pontos preliminares,
antes de entrar no tema
central em relação à coluna de
Gesner Oliveira na Folha de sábado, na qual procura rebater
críticas que fiz ao que considerei
sua posição dúbia de defender a
criação da AmBev e condenar a
compra da Garoto -sendo que
ambas representavam concentração em larga escala.
1) Na sua coluna, Gesner citou
minha frase, da época, de que
"foi exemplar a maneira como o
Cade se comportou diante da rede de suspeitas que se formou
com a manipulação primária de
notícias".
Vamos ao contexto em que a
frase foi escrita. Fiz uma defesa
do Cade contra o estilo adotado
pela Kaiser no episódio, com escutas telefônicas, promiscuidade
com algumas figuras suspeitas
da República e o uso de verbas
publicitárias para conseguir a
adesão de alguns órgãos da mídia. Posteriormente fui informado de que a AmBev, por meio de
sua assessoria, estava pagando
colaboradores de jornais por pareceres favoráveis à fusão que
saíssem publicados. Retifiquei
prontamente minha posição, denunciando o episódio.
Não vou usar esses argumentos contra Gesner, porque o conheço há tempo suficiente para
não duvidar de sua idoneidade
intelectual. Mas, hoje em dia,
grandes temas complexos estão
nas mãos de pretensos analistas
isentos -advogados e economistas, em geral ligados a grandes escritórios ou consultorias-
, que são contratados quase exclusivamente devido ao espaço
que têm na mídia.
2) A menção à importação como elemento que deve ser levado
em conta na análise de concentração (que Gesner informa não
constar de seu voto no Cade)
consta de uma resposta sua ao
caderno Dinheiro de 3 de julho
de 1999. A pergunta era especificamente sobre o caso AmBev,
mas a resposta abre margem a
dúvidas se ele estava se referindo
ao caso AmBev ou a critérios genéricos de análise.
O ponto central de minha crítica a ele é quanto à natureza dos
seus argumentos, e a cegueira,
deliberada ou não, de não tirar
do episódio as lições necessárias
para aprimorar o direito econômico no país.
Na época, o contra-argumento
de Gesner ao parecer da Seae
(Secretaria Especial de Acompanhamento Econômico), contrária à fusão, era a de que não se
poderiam utilizar, no Brasil, os
mesmos critérios de concentração dos Estados Unidos, porque
a economia, aqui, é 10% da de
lá. Como se critérios de concentração fossem dados absolutos, e
não relativos. E como se a possibilidade de entrada de novos
concorrentes no Brasil fosse mais
fácil que nos Estados Unidos
-com custo de capital menor,
infra-estrutura mais completa,
estrutura de distribuição disponível etc.
De 2000 a 2003 a AmBev deu
um show de competência gerencial e redução de custos. Mas,
nesse período, sua produção caiu
de 59,5 bilhões para 55,8 bilhões
de hectolitros, enquanto a receita líquida saltou de R$ 3,8 bilhões para R$ 6 bilhões.
Todos os ganhos da concentração de mercado e da competência gerencial não foram utilizados para investimentos no Brasil, conforme consta dos próprios
relatórios do grupo, nem para
melhorar a vida do consumidor.
Foram apropriados pelos acionistas para vender a empresa
com um lucro extraordinário.
Graças ao Cade de Gesner.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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