São Paulo, terça-feira, 16 de março de 2004

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LUÍS NASSIF

A AmBev e o direito econômico

Dois pontos preliminares, antes de entrar no tema central em relação à coluna de Gesner Oliveira na Folha de sábado, na qual procura rebater críticas que fiz ao que considerei sua posição dúbia de defender a criação da AmBev e condenar a compra da Garoto -sendo que ambas representavam concentração em larga escala.
1) Na sua coluna, Gesner citou minha frase, da época, de que "foi exemplar a maneira como o Cade se comportou diante da rede de suspeitas que se formou com a manipulação primária de notícias".
Vamos ao contexto em que a frase foi escrita. Fiz uma defesa do Cade contra o estilo adotado pela Kaiser no episódio, com escutas telefônicas, promiscuidade com algumas figuras suspeitas da República e o uso de verbas publicitárias para conseguir a adesão de alguns órgãos da mídia. Posteriormente fui informado de que a AmBev, por meio de sua assessoria, estava pagando colaboradores de jornais por pareceres favoráveis à fusão que saíssem publicados. Retifiquei prontamente minha posição, denunciando o episódio.
Não vou usar esses argumentos contra Gesner, porque o conheço há tempo suficiente para não duvidar de sua idoneidade intelectual. Mas, hoje em dia, grandes temas complexos estão nas mãos de pretensos analistas isentos -advogados e economistas, em geral ligados a grandes escritórios ou consultorias- , que são contratados quase exclusivamente devido ao espaço que têm na mídia.
2) A menção à importação como elemento que deve ser levado em conta na análise de concentração (que Gesner informa não constar de seu voto no Cade) consta de uma resposta sua ao caderno Dinheiro de 3 de julho de 1999. A pergunta era especificamente sobre o caso AmBev, mas a resposta abre margem a dúvidas se ele estava se referindo ao caso AmBev ou a critérios genéricos de análise.
O ponto central de minha crítica a ele é quanto à natureza dos seus argumentos, e a cegueira, deliberada ou não, de não tirar do episódio as lições necessárias para aprimorar o direito econômico no país.
Na época, o contra-argumento de Gesner ao parecer da Seae (Secretaria Especial de Acompanhamento Econômico), contrária à fusão, era a de que não se poderiam utilizar, no Brasil, os mesmos critérios de concentração dos Estados Unidos, porque a economia, aqui, é 10% da de lá. Como se critérios de concentração fossem dados absolutos, e não relativos. E como se a possibilidade de entrada de novos concorrentes no Brasil fosse mais fácil que nos Estados Unidos -com custo de capital menor, infra-estrutura mais completa, estrutura de distribuição disponível etc.
De 2000 a 2003 a AmBev deu um show de competência gerencial e redução de custos. Mas, nesse período, sua produção caiu de 59,5 bilhões para 55,8 bilhões de hectolitros, enquanto a receita líquida saltou de R$ 3,8 bilhões para R$ 6 bilhões.
Todos os ganhos da concentração de mercado e da competência gerencial não foram utilizados para investimentos no Brasil, conforme consta dos próprios relatórios do grupo, nem para melhorar a vida do consumidor. Foram apropriados pelos acionistas para vender a empresa com um lucro extraordinário. Graças ao Cade de Gesner.

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