São Paulo, sexta-feira, 16 de abril de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Os maus ventos que vêm de fora

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Por várias vezes fiz referência nesta coluna aos efeitos benéficos que a conjuntura internacional vem tendo sobre a economia brasileira. Dizia eu que esse choque positivo ocorria, principalmente, em razão da política monetária e fiscal nos Estados Unidos e do grande crescimento da economia chinesa. Além desses dois fatores, também a intervenção dos governos das maiores nações da Ásia em seus mercados de câmbio ajudavam a criar um cenário externo extremamente benigno para nós, brasileiros.
O resultado desse "círculo de manipulação", como foi chamado por um grande financista internacional, era a criação de condições de extrema liquidez nos mercados internacionais de crédito e uma queda acentuada dos prêmios de risco pagos pelos devedores públicos e privados. Em uma busca desesperada por juros mais elevados, os investidores passaram a comprar títulos de maior risco, reciclando a grande liquidez financeira existente para países como o Brasil. Também cresceu, de maneira significativa, a entrada de dólares para a compra de títulos de renda fixa em moeda nacional. Mais uma vez o Brasil, com suas taxas de juros extremamente elevadas, era um dos maiores beneficiários desse movimento especulativo.
Com o crescimento expressivo de nosso saldo comercial com o exterior, resultado do crescimento vigoroso das economias asiáticas e norte-americana, esse ciclo financeiro virtuoso ganhou ainda maior vigor. Afinal, o Brasil passou a fazer parte de um restrito grupo de países que apresentam saldo positivo na conta corrente de sua balança de pagamentos. Juros elevados e solvência externa formavam uma combinação a que poucos investidores podiam resistir.
Nesse processo, nosso real se valorizou de forma expressiva e o Banco Central e o Tesouro puderam aumentar nossas reservas externas, fortalecendo a leitura positiva que o governo Lula tinha nos mercados financeiros. O ponto mais alto dessa verdadeira lua-de-mel ocorreu no início deste ano, quando o índice da Bolsa de Valores de São Paulo atingiu quase 25 mil pontos, o risco Brasil ficou abaixo de 400 pontos e a cotação do dólar em relação ao real beliscou os R$ 2,80. Os mais otimistas falavam até que nosso querido país estava próximo de atingir o tão sonhado "investment grade", verdadeira carta de alforria financeira para uma nação em desenvolvimento.
Por várias vezes, adverti para o fato de que todo esse otimismo estava baseado em uma conjuntura mundial que não poderia prevalecer por muito tempo. Em fins de janeiro deste ano, tivemos um primeiro sinal de que uma mudança, nesse verdadeiro nirvana que vivíamos, estava para ocorrer. Uma primeira correção do otimismo dos investidores ocorreu nos EUA e espalhou-se pelo mundo afora. Tivemos uma queda expressiva nos preços das ações brasileiras, e o risco Brasil subiu quase 50% em poucos dias.
Mas as palavras tranqüilizadoras do presidente e de alguns diretores do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, tranqüilizaram novamente os mercados, e o ciclo da manipulação continuou a prevalecer no mundo financeiro. Nesse período, dei o título "Abriram as janelas do inferno" para esta minha coluna semanal. Alertava os leitores da Folha para os horrores que o fim do círculo de manipulação criaria para nossa economia e dizia que o governo deveria se preparar para dias muito difíceis.
Pois bem, na última semana, o dragão da inflação, que muitos acreditavam morto, deu o ar de sua graça nos EUA. Os preços ao consumidor aumentaram, no último mês de março, 0,4% em relação ao mês anterior e 1,6% no período de 12 meses. Embora o número seja inferior à meta de inflação do Fed, esse aumento expressivo colocou todos em estado de alerta.
Os mercados reagiram de forma violenta, com uma expressiva correção nos preços dos ativos mais especulativos. A prata teve sua cotação reduzida em mais de 15%, o ouro caiu mais de 5% e a cotação das moedas mais exóticas, como o dólar australiano e o rand sul-africano, tiveram forte correção nos mercados de câmbio. Os juros futuros em dólares quase dobraram nos contratos mais curtos e subiram de forma importante nos prazos mais longos. As apostas hoje são que o Fed vá começar a elevar os juros ainda no segundo semestre de 2004.
Os títulos brasileiros negociados no exterior foram duramente atingidos por esses primeiros ventos de um furacão que todos crêem inevitável. O risco Brasil voltou ao nível dos 600 pontos, um aumento de quase 20% em relação ao nível anterior à divulgação da inflação de março nos Estados Unidos. O índice Bovespa teve uma queda expressiva e, pela primeira vez, foi possível identificar investidores internacionais fugindo das aplicações em moeda local.
Creio que o Fed vá tentar mais uma vez acalmar os mercados com discursos do tipo "senta que o leão é manso". Mas, dessa vez, a desmontagem do "círculo da manipulação" me parece ser verdadeira. Apertem os cintos!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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