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OPINIÃO ECONÔMICA
Os maus ventos que vêm de fora
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Por várias vezes fiz referência nesta coluna aos efeitos
benéficos que a conjuntura internacional vem tendo sobre a economia brasileira. Dizia eu que esse choque positivo ocorria, principalmente, em razão da política
monetária e fiscal nos Estados
Unidos e do grande crescimento
da economia chinesa. Além desses
dois fatores, também a intervenção dos governos das maiores nações da Ásia em seus mercados de
câmbio ajudavam a criar um cenário externo extremamente benigno para nós, brasileiros.
O resultado desse "círculo de
manipulação", como foi chamado
por um grande financista internacional, era a criação de condições
de extrema liquidez nos mercados
internacionais de crédito e uma
queda acentuada dos prêmios de
risco pagos pelos devedores públicos e privados. Em uma busca desesperada por juros mais elevados,
os investidores passaram a comprar títulos de maior risco, reciclando a grande liquidez financeira existente para países como o
Brasil. Também cresceu, de maneira significativa, a entrada de
dólares para a compra de títulos
de renda fixa em moeda nacional.
Mais uma vez o Brasil, com suas
taxas de juros extremamente elevadas, era um dos maiores beneficiários desse movimento especulativo.
Com o crescimento expressivo
de nosso saldo comercial com o
exterior, resultado do crescimento
vigoroso das economias asiáticas e
norte-americana, esse ciclo financeiro virtuoso ganhou ainda
maior vigor. Afinal, o Brasil passou a fazer parte de um restrito
grupo de países que apresentam
saldo positivo na conta corrente
de sua balança de pagamentos.
Juros elevados e solvência externa
formavam uma combinação a
que poucos investidores podiam
resistir.
Nesse processo, nosso real se valorizou de forma expressiva e o
Banco Central e o Tesouro puderam aumentar nossas reservas externas, fortalecendo a leitura positiva que o governo Lula tinha nos
mercados financeiros. O ponto
mais alto dessa verdadeira lua-de-mel ocorreu no início deste ano,
quando o índice da Bolsa de Valores de São Paulo atingiu quase 25
mil pontos, o risco Brasil ficou
abaixo de 400 pontos e a cotação
do dólar em relação ao real beliscou os R$ 2,80. Os mais otimistas
falavam até que nosso querido
país estava próximo de atingir o
tão sonhado "investment grade",
verdadeira carta de alforria financeira para uma nação em desenvolvimento.
Por várias vezes, adverti para o
fato de que todo esse otimismo estava baseado em uma conjuntura
mundial que não poderia prevalecer por muito tempo. Em fins de
janeiro deste ano, tivemos um primeiro sinal de que uma mudança,
nesse verdadeiro nirvana que vivíamos, estava para ocorrer. Uma
primeira correção do otimismo
dos investidores ocorreu nos EUA
e espalhou-se pelo mundo afora.
Tivemos uma queda expressiva
nos preços das ações brasileiras, e
o risco Brasil subiu quase 50% em
poucos dias.
Mas as palavras tranqüilizadoras do presidente e de alguns diretores do Federal Reserve, o banco
central dos Estados Unidos, tranqüilizaram novamente os mercados, e o ciclo da manipulação continuou a prevalecer no mundo financeiro. Nesse período, dei o título "Abriram as janelas do inferno"
para esta minha coluna semanal.
Alertava os leitores da Folha para
os horrores que o fim do círculo de
manipulação criaria para nossa
economia e dizia que o governo
deveria se preparar para dias
muito difíceis.
Pois bem, na última semana, o
dragão da inflação, que muitos
acreditavam morto, deu o ar de
sua graça nos EUA. Os preços ao
consumidor aumentaram, no último mês de março, 0,4% em relação ao mês anterior e 1,6% no período de 12 meses. Embora o número seja inferior à meta de inflação do Fed, esse aumento expressivo colocou todos em estado de
alerta.
Os mercados reagiram de forma
violenta, com uma expressiva correção nos preços dos ativos mais
especulativos. A prata teve sua cotação reduzida em mais de 15%, o
ouro caiu mais de 5% e a cotação
das moedas mais exóticas, como o
dólar australiano e o rand sul-africano, tiveram forte correção
nos mercados de câmbio. Os juros
futuros em dólares quase dobraram nos contratos mais curtos e
subiram de forma importante nos
prazos mais longos. As apostas hoje são que o Fed vá começar a elevar os juros ainda no segundo semestre de 2004.
Os títulos brasileiros negociados
no exterior foram duramente
atingidos por esses primeiros ventos de um furacão que todos crêem
inevitável. O risco Brasil voltou ao
nível dos 600 pontos, um aumento
de quase 20% em relação ao nível
anterior à divulgação da inflação
de março nos Estados Unidos. O
índice Bovespa teve uma queda
expressiva e, pela primeira vez, foi
possível identificar investidores
internacionais fugindo das aplicações em moeda local.
Creio que o Fed vá tentar mais
uma vez acalmar os mercados
com discursos do tipo "senta que o
leão é manso". Mas, dessa vez, a
desmontagem do "círculo da manipulação" me parece ser verdadeira. Apertem os cintos!
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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