São Paulo, domingo, 16 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Euro forte dificulta crescimento mundial

GILSON SCHWARTZ

ARTICULISTA DA FOLHA

Ainda é extra-oficial, mas foi divulgado pelas autoridades alemãs: o FMI reviu seus cálculos e agora está mais otimista com a recuperação da economia mundial. É mais uma razão para duvidar dos otimistas, a julgar pelo desempenho nada brilhante dos economistas do FMI nos últimos anos.
Os pessimistas continuam colecionando dados e argumentos. Nos últimos dias, o cenário tornou-se ainda mais azedo com o fortalecimento do euro, que chegou ao seu valor mais alto contra o dólar em 17 meses. O consenso agora é o de paridade entre as duas moedas no prazo de algumas semanas.
O euro forte reflete principalmente a fraqueza da economia norte-americana.
Os indicadores mais recentes são desanimadores. Os consumidores estão retraídos. A crise de confiança na contabilidade das empresas com ações em Bolsa não sai das manchetes. O clima de guerra dos EUA contra o resto do mundo acrescenta instabilidade militar à incerteza econômica. E o desaquecimento da economia norte-americana traz de volta o fantasma do déficit público, pois crescimento menor é sinônimo de menor arrecadação de impostos. O déficit orçamentário estimado para 2002 já passa de US$ 100 bilhões (é o dobro das previsões feitas inicialmente pelo Congresso dos EUA). Aliás, as condições econômicas na União Européia estão longe do ideal. Além da maquiagem nas contas públicas para acomodar o desajuste fiscal, a inflação está acima das previsões. O BCE (Banco Central Europeu) soou o alarme na semana passada, colocando sua estimativa de inflação em 2002 na casa dos 2,5%, contra uma previsão no final do ano passado de no máximo 2,1%. As Bolsas européias refletem esses desequilíbrios e fazem água. De um lado, a inflação além da previsão coloca em risco o crescimento econômico, pois aumenta as chances de uma elevação dos juros. O BCE só não aumenta as taxas agora porque a valorização do euro torna mais baratas as importações. Ou seja, ajuda a conter o crescimento e a inflação. Mas do ponto de vista das empresas européias o resultado é igualmente comprometedor, pois o euro forte prejudica suas exportações.
O resultado para essas empresas é o pior dos mundos. O euro forte (por causa da fragilidade norte-americana) as torna menos competitivas. Ao mesmo tempo, entre as pressões inflacionárias européias estão os aumentos salariais. É um garrote em que os grupos europeus perdem nos custos e na competição com empresas de fora.
Além da moeda forte e dos custos em alta, os europeus sofrem os efeitos da fraqueza da economia norte-americana. Afinal, os investimentos e o comércio transatlânticos são o cerne da dinâmica dos países ricos.
Não é por acaso que as Bolsas sofrem. Na semana passada, os mercados globais chegaram ao nível mais baixo desde a crise de 11 de setembro de 2001. Nem é casual que os lobbies protecionistas estejam tão ativos. Sem falar no fortalecimento das tendências políticas de direita que, lá como cá, faturam o medo coletivo da destruição do futuro. A palavra "pânico" voltou a frequentar os mercados.
O euro forte não reflete uma economia vigorosa, é só o efeito de um sistema global desequilibrado. Ao contrário, o fortalecimento recente do euro torna-se mais um obstáculo para a recuperação da economia mundial.
Só os técnicos do FMI apostam numa tendência diferente. Não seria a primeira nem a última aposta perdida por esses economistas que vivem em busca da ordem mundial perdida.



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