São Paulo, domingo, 16 de junho de 2002

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DEPOIS DO CALMANTE

Amaury Bier diz que governo guardou lista de medida que podem reforçar o pacote da semana passada

Governo ameaça limitar negócios com dólar

VIVALDO DE SOUSA
COORDENADOR DE ECONOMIA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

SÍLVIA MUGNATTO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo guardou uma lista de medidas de que poderá lançar mão nas próximas semanas para tentar conter a volatilidade nos mercados de câmbio e de juros. A lista completaria o "pacote calmante" lançado pelo governo na quinta-feira. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Amaury Bier, 42, disse à Folha que uma das medidas em estudo é a redução do volume de dólares que os bancos podem comprar para manter em sua carteira de investimentos.
Já na sexta-feira o Banco Central ampliou o pacote, aumentando a alíquota do compulsório sobre depósitos a prazo (CDBs e outros títulos privados) de 10% para 15%. Apesar disso, o dólar fechou o dia em R$ 2,715, com alta de 0,18% em relação à quinta-feira.
Bier explicou que o governo não terá dúvidas em emitir títulos com prazo de um ou dois dias para acalmar o mercado, mas afirmou que isso será feito com cautela.
Para gerar o novo superávit primário (economia de receitas para pagamento de juros) proposto no pacote, a liberação dos recursos orçamentários bloqueados em maio será feita a conta-gotas. "Em prazos e em volumes menores".
Dos R$ 3,8 bilhões bilhões que poderiam ser liberados após a prorrogação da CPMF (imposto do cheque), o governo não vai liberar nem metade até o final de julho, disse o secretário.
A continuidade do nervosismo do mercado após o pacote não surpreendeu a equipe econômica. "Não tínhamos a expectativa de que essa fosse a batalha final", disse. Leia, a seguir, os principais trechos de entrevista concedida na sexta-feira passada.

Folha - Como será atingido o aumento de R$ 2,7 bilhões no superávit primário do setor público neste ano?
Amaury Bier -
O aumento deverá vir de uma melhora no desempenho dos governos regionais: Estados, municípios e suas empresas, e algum esforço no governo federal. O resultado dos governos regionais está acima da expectativa para o ano, mas há uma clara tendência de redução ao longo do tempo. É natural que em final de mandato os recursos acumulados sejam utilizados para a conclusão de obras e pagamento de despesas. O que o governo federal fez foi assumir o compromisso de que o resultado consolidado será de, no mínimo, 3,75% do PIB [Produto Interno Bruto".

Folha - Qual será o esforço extra do governo federal?
Bier -
Nós congelamos dotações orçamentárias de R$ 3,8 bilhões por causa da CPMF [atraso na votação". Vamos fazer uma administração cautelosa desse desbloqueio de olho no resultado consolidado. Vamos administrar com conservadorismo, fazendo liberações mais curtas, semanais ou quinzenais, e em valores menores.

Folha - Mas o governo se comprometeu com o Congresso a liberar esse dinheiro....
Bier -
O governo honra seus compromissos, inclusive aqueles de natureza fiscal. É preciso ter equilíbrio na composição dessas duas vertentes. Nada impede o governo de liberar recursos agora e depois voltar a restringir se for o caso. Não é necessário nesse momento liberar nem a metade dos recursos até o final de julho.

Folha - Com esse superávit é possível estabilizar a dívida pública em relação ao PIB? Em quanto?
Bier -
Esperamos que fique estável, mas de nada adianta ficar apresentando simulações nesse momento sem que se tenha um conjunto de parâmetros confiáveis e que sejam percebidos pelo mercado como críveis. Eu acho que é plausível a hipótese que estejamos vivendo um excesso, um exagero no mercado de câmbio. Não adianta fazer exercícios com taxas de R$ 2,70 ou R$ 2,74.

Folha - Mas a relação dívida/PIB deve ficar abaixo de 56% como calcula o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada?
Bier -
Eu acho que sim, em torno de 55%, relativamente estável em relação a janeiro, quando foram incorporados alguns esqueletos [dívidas antigas".

Folha - Analistas vêm sugerindo superávits de 6% e de até 7% do PIB. O que o senhor acha disso?
Bier -
Vamos convidá-los para trabalhar no governo... Isso não é interessante nem é necessário. Do ponto de vista das despesas, é óbvio que sempre há algum espaço de redução adicional, mas não dessa magnitude. Se a recomendação é essa, a derivação lógica é que se teria que trabalhar com as receitas, aumentando a carga tributária, o que me parece uma péssima idéia.

Folha - Em 2003, a carga tributária permanecerá a mesma?
Bier -
Para o ano que vem já existe uma projeção de redução do Imposto de Renda [alíquota máxima da tabela das pessoas físicas cai de 27,5% para 25%" e da CSLL [Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, cai de 9% para 8%". Isso já está incorporado nas nossas projeções.

Folha - O que está determinando a crise atual?
Bier -
Nós tivemos problemas em 2001, mas havia uma expectativa de melhoria em 2002. Em parte isso está acontecendo, mas no mercado de ativos há a aversão ao risco, o medo de que os aplicadores em fundos de mercados emergentes saquem seus recursos. Eu acho que nesse contexto faz sentido usar as reservas internacionais líquidas [que exclui os empréstimos do Fundo Monetário Internacional" para precificar melhor os papéis mais curtos [recompra de títulos". O simples anúncio já aumentou os preços.
Do ponto de vista interno, há incertezas em relação à eleição, sobre o que esse processo significa para o futuro da política econômica do país e até questões mais técnicas como a marcação a mercado dos fundos de investimento.

Folha - O governo pode emitir títulos de um ou dois dias para melhorar a procura pelos papéis?
Bier -
Eu acho que nós vamos passar por um processo de encurtamento dos prazos da dívida como já vem acontecendo com as trocas de títulos que vencem entre 2004 e 2006 por vencimentos em 2003. É provável que a gente encurte mais. O leilão dessa semana [semana passada" do Tesouro já ofereceu papéis prefixados para outubro. Mas nós vamos procurar fazer isso com o menor custo possível. Por que partir direto para um encurtamento de dois dias? É melhor não fazer, mas se for necessário nós faremos.

Folha - Com isso o governo não cria uma bomba-relógio para o próximo governo?
Bier -
Não. Nós montamos com alguma antecedência uma concentração baixa de vencimentos no segundo semestre de 2002 e primeiro trimestre de 2003. Estamos ocupando esse espaço com os últimos leilões e vamos continuar fazendo isso. Bomba-relógio seria se nós tivéssemos um encurtamento total, o que não é o caso.

Folha - O senhor concorda com o megainvestidor George Soros que deu duas opções em relação às eleições presidenciais: José Serra [candidato do governo" ou o caos?
Bier -
Não concordo. Acho que tem havido uma mudança nos discursos dos partidos de oposição no sentido da moderação e da revisão de teses. Isso é positivo desde que acompanhado de credibilidade. Não pode uma pessoa falar uma coisa e outra falar outra. É preciso que os partidos definam com maior clareza o que pensam sobre a política econômica.

Folha - O governo pode reduzir a exposição dos bancos ao dólar?
Bier -
Faz parte do que estamos discutindo. O mercado também levantou esse tema. Mas nenhuma decisão foi tomada ainda. Nessas situações olhamos todas as possibilidades, mas sem tirar coelhos da cartola.

Folha - Como será a recompra de títulos da dívida interna?
Bier -
É um caso limite. O dinheiro que tem saído dos fundos de investimento vai para CDBs, poupança... Precisamos criar canais de comunicação para que o administrador de fundo possa vender os papéis sem forçar um deságio adicional. No limite, uma LFT [Letra Financeira do Tesouro Nacional" de dois dias é quase isso: recompra de dívida.



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