São Paulo, terça-feira, 16 de julho de 2002

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LUÍS NASSIF

Os "mancheteiros" da campanha

No jornalismo existe o "lead", a manchete e o artigo de fundo. "Lead" é a abertura da matéria, onde se resume a idéia principal. Manchete é o título, que deve destacar em uma linha o teor da reportagem. E o artigo de fundo é o aprofundamento do tema.
Há que se tomar cuidado com as propostas dos candidatos à Presidência da República. Há excelentes "mancheteiros", bons autores de "leads", mas poucos autores de artigos de fundo.
Quando uma pessoa defende determinado tipo de reforma tributária, podem ocorrer três coisas. A primeira, ele não saber sobre o que está falando. A segunda, saber o que é a idéia "in", aquela mais bem aceita pelos especialistas na matéria. A terceira, ele ser o estudioso, capaz de identificar vantagens e desvantagens da idéia proposta.
Na geléia geral da campanha e das coberturas, só passam a manchete e o "lead". Dizer que fulano é a favor da desoneração das exportações, da simplificação tributária ou do equilíbrio fiscal significa o mesmo que eu dizer que o sistema de ultracentrífugas é mais eficiente que o jett nozzle para o enriquecimento de urânio. Nenhum físico vai me contestar. Mas, de qualquer modo, eu continuarei não tendo a menor capacidade de entender o funcionamento de um sistema e outro.
Temas como reforma da previdência, reforma tributária, guerra comercial, incremento de exportações, aumento da eficiência da gestão pública não podem ser tratados apenas como um enunciado de boas intenções. Dê-me um bom piloto de fonte que eu produzirei uma coluna tecnicamente impecável sobre a arte de pilotar. Mas não me dê nenhum avião, porque serei pior que o comandante Garcez (aquele famoso piloto que em vez de voar para o norte voou para o sul).
O próprio mercado, essa entidade abstrata e que se comporta em manada e, de resto, bastante superficial em suas análises, fica julgando os candidatos dentro da ótica do "economicamente correto". Basta repetir algo que o consultor diz para ser assimilável.
Conduzir o Brasil é muito mais que isso. Exige conhecimento detalhado de cada tema, avaliação das implicações sobre os diversos ângulos de análise, formação de equipe operacional competente, humildade para não se julgar dono de todas as soluções.
É evidente que, no decorrer de uma campanha eleitoral, apenas a opinião pública mais bem informada saberá discernir os candidatos, de acordo com graus de aprofundamento com que tratam os grandes temas nacionais. Haverá aqueles que não conseguem chegar ao bom diagnóstico, os que chegam ao diagnóstico superficialmente e os que dispõem de diagnósticos e planos de ação.
Um dos grandes problemas dos diversos discursos é essa ênfase monocórdica nos aspectos fiscais, monetários e cambiais da política econômica. Há razoável consenso sobre o que tem que ser feito. Mas quase nada é cobrado em termos de política de desenvolvimento, política científico-tecnológica, gestão pública, governo eletrônico, programas de qualidade para a educação e área social em geral, políticas de estímulo à inovação e às pequenas empresas.
Infelizmente, 20 anos após o final da ditadura, 30 anos após o "milagre", a discussão pública continua pautada pelo economicismo ligeiro, que trata a economia pelos grandes agregados apenas, sem conseguir avançar em questões substantivas, que modificam a realidade e preparam o futuro.

Procedimentos jurídicos
Tenho defendido radicalmente a observância dos procedimentos jurídicos como forma de impedir abusos de autoridade e desrespeito aos direitos individuais. Do mesmo modo, tenho criticado a falta de conhecimento técnico nas críticas que comumente se faz ao Poder Judiciário, assim como o impulso acusatório do Ministério Público.
Mas, a partir das competentes reportagens de Frederico Vasconcelos sobre o caso do TRT, não ficou clara a posição do juiz Mazloum ao absolver Luiz Estevão das acusações que pesavam sobre ele e, mesmo, ao justificar o não-indiciamento do perito que recebeu dinheiro dos acusados.
Há o formalismo que impede a Justiça, mas há também o formalismo que impede a punição.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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