São Paulo, terça-feira, 16 de julho de 2002

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OPINIÃO

Apesar de forte, apoio a Bush corre risco

PETER SPIEGEL
DO "FINANCIAL TIMES"

Quando o presidente George W. Bush visitou Wall Street para fazer um discurso sobre o escândalo dos crimes corporativos e fraudes contábeis, na semana passada, tinha um objetivo claro. Mas seu esforço por reconquistar a iniciativa na luta pela reforma, que no momento está com o Congresso sob liderança democrata, não atingiu o resultado esperado.
O júbilo com que os oponentes políticos do presidente esquartejaram seu discurso pode ter servido de alerta para os assessores dele. A onda de questões que o presidente tem de enfrentar vem ganhando ímpeto. Desde o 11 de setembro, ele se acostumou a receber apenas elogios. Uma pesquisa de opinião pública do instituto Gallup indica que o índice de aprovação a Bush supera os 76%.
Os americanos em geral ainda acreditam que Bush seja honesto e digno de confiança. Mas os oponentes de Bush sentem que uma virada da opinião pública é iminente quanto a uma questão: as relações mais que confortáveis entre os republicanos e os líderes empresariais. E essa tendência acontece num momento crítico: o começo da campanha para as eleições legislativas de novembro.
A pesquisa citada indica que 47% dos entrevistados acreditam que Bush esteja mais interessado em proteger os interesses dos americanos comuns do que os das grandes corporações, uma queda de seis pontos percentuais em apenas uma semana.
Excetuada uma única iniciativa -a criação de um grupo de trabalho para combater o crime corporativo no Departamento da Justiça-, nenhuma das propostas de Bush era nova.
A despeito do crescente apoio bipartidário a um projeto de lei de reforma corporativa, que no momento está sendo debatido no Senado, Bush se recusa a apoiar a legislação. O presidente preferiu apoiar um projeto menos severo, aprovado pela Câmara, quando os escândalos envolviam só Enron e Arthur Andersen.
A posição do governo Bush se baseia no que muitas autoridades reconhecem sejam preocupações políticas legítimas. No Federal Reserve (o banco central dos EUA), há preocupação com a possibilidade de que projetos aprovados pelo Congresso tenham consequências imprevisíveis.
Mas a cautela de Bush só fez reforçar as críticas. Elas se concentram em especial em Harvey Pitt, o presidente da Securities and Exchange Commission (SEC, a CVM americana). Pitt chegou ao posto depois de servir como advogado e profissional de lobby do setor de auditoria. A Casa Branca rejeitou um pedido do senador John McCain pela demissão de Pitt. Mas existem dúvidas quanto a Pitt entre as bases republicanas.
"É preciso que tenhamos no comando da SEC alguém que não precise se excluir de metade dos casos que a agência vem investigando, [por motivo de conflito de interesses"", diz o deputado republicano Spence Bachus.
Bush se manteve firme em seu apoio a Pitt. Bush também se manteve leal a Thomas White, secretário do Exército e ex-executivo da Enron. A divisão que White dirigia na Enron está ligada a operações falsas que inflacionaram os custos de eletricidade durante a crise de energia na Califórnia.
O fato de que White continue a manter seu posto causou certo choque em Washington, onde subordinados vinculados -mesmo remotamente- a um escândalo são ejetados de seus cargos rotineiramente.
Ainda mais perturbadores para Bush do que a percepção de falhas por parte de subordinados como Pitt e White são os escândalos financeiros que continuam a borbulhar em torno dele mesmo e de seu vice-presidente, Dick Cheney. Por mais de duas semanas, o presidente vem sendo incomodado por acusações de que agiu de maneira indevida na venda de quase US$ 850 mil em ações da Harken Energy há mais de dez anos.
A SEC abriu uma investigação contra Bush por possível uso indevido de informações privilegiadas, em 1991, depois que surgiram revelações de que ele havia vendido suas ações apenas dois meses antes que a empresa reportasse um inesperado prejuízo de US$ 23,2 milhões. O inquérito foi encerrado por falta de indícios.
Documentos internos da SEC indicam que Bush, então membro do comitê de auditoria da Harken, sabia pouco sobre os problemas da empresa no momento em que vendeu suas ações. A Casa Branca rebateu com eficiência as questões sobre o momento em que Bush optou por revelar a venda de suas ações. Ele mesmo, aparentemente, apresentou a documentação requerida dentro do prazo, mas a Harken se atrasou oito meses no encaminhamento delas às autoridades.
Mas, para além das acusações legais específicas de delito, o caso é problemático para Bush porque faz parecer que ele se envolveu em práticas semelhantes àquelas pelas quais agora critica outros executivos. A Harken, por exemplo, parece ter tomado certas decisões contábeis questionáveis nos meses que precederam a venda das ações de Bush, decisões que pintaram quadro muito mais favorável sobre a situação da empresa do que os números justificariam. Bush criticou especificamente os executivos que venderam ações antes da correção de declarações financeiras de suas empresas, e disse que alguns deles deveriam restituir os lucros que tivessem auferido.
Potencialmente ainda mais explosiva é a investigação corrente da SEC sobre a Halliburton, empresa de energia de Houston onde Dick Cheney trabalhou como executivo-chefe, antes de ser nomeado para a disputa da vice-presidência. A SEC está estudando as acusações de que a empresa inflou seus lucros por meio da contabilização indevida de receitas relacionadas a contratos que estavam envolvidos em disputas e ainda não tinham sido pagos integralmente.
O fracasso do governo em tomar a iniciativa política e as questões que envolvem os funcionários da Casa Branca se combinaram para encorajar os democratas e causar preocupações a alguns dos assessores do presidente. "Eu encorajaria o presidente a dizer aos membros do seu partido que apóiem a reforma", diz Patrick Leahy, um dos líderes dos democratas no Senado. "É preciso que propiciemos aos investidores alguma confiança no sentido de que há alguém tomando conta da loja". Se a Casa Branca não o fizer, a temporada eleitoral poderá ser longa para os republicanos.


Tradução de Paulo Migliacci


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