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Brasil e UE vão rachados a reunião
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A UE (União Européia) e o governo brasileiro chegarão com
posições absolutamente divergentes à reunião do dia 23, no Rio
de Janeiro, destinada a discutir o
futuro da negociação entre o Mercosul e os europeus para uma ampla liberalização comercial.
Os chanceleres do Mercosul já
receberam carta dos comissários
(espécie de ministros) europeus
para Comércio (Pascal Lamy) e
para Relações Exteriores (Chris
Patten), na qual tentam "partilhar
algumas idéias consideradas úteis
para a organização das discussões
no dia 23".
Hoje, o ministro brasileiro Celso Lafer encaminha a sua resposta
(a ser também enviada a seus pares dos países integrantes do Mercosul), na qual as "idéias úteis" diferem substancialmente da proposta européia.
A UE propôs que a negociação
para a liberalização comercial tivesse duas fases.
Na primeira, haveria uma discussão, que os europeus pretendem que seja ambiciosa, referente
a regras e disciplinas.
Traduzindo: os europeus querem que o Mercosul tenha regras
comuns para, entre outras áreas,
serviços, compras governamentais, investimentos e patentes.
São áreas que, se liberalizadas,
seriam de mão única: a rigor, só
firmas européias poderiam se beneficiar de regras mais abertas no
Mercosul, já as firmas sul-americanas, salvo uma ou outra exceção, não têm condições de competir no mercado europeu.
A resposta de Lafer dirá que a
idéia de duas fases pode ser aproveitada, desde que o conteúdo seja diferente: em vez de, primeiro,
tratar de regras, a negociação
UE/Mercosul começaria com objetivos de curto prazo, ou seja,
com "expectativas menos ambiciosas", tal como Lafer disse a
Lamy em encontro no sábado em
Paris.
A segunda fase, aí sim, seria
mais abrangente.
Abertura
Mas, de todo modo, o Mercosul
quer a abertura européia já na primeira fase. Na carta ao Mercosul,
os europeus lembram que sua primeira oferta negociadora, feita no
ano passado, cobre 90% do comércio entre os dois blocos, ao
passo que a proposta do Mercosul
não vai além de 40%.
Lafer diz, em contrapartida, que
os 90% europeus não atendem o
que mais interessa ao Mercosul,
que é a área agrícola e de agronegócio. Os europeus insistem em
só negociar agricultura no âmbito
da OMC (Organização Mundial
do Comércio).
O ministro brasileiro dirá, em
sua carta, que a oferta européia é
"modesta", razão pela qual a proposta do Mercosul também foi
acanhada.
Um segundo ponto de divergência passa pela estrutura do
Mercosul. Os europeus vêm insistindo em que o bloco sul-americano deve se aproximar, mais e
mais, da forma tomada pela
União Européia, com políticas comuns em várias áreas e com uma
estrutura decisória conjunta.
Resposta de Lafer: "O aprofundamento do Mercosul não pode
ser pré-requisito" para a negociação com os europeus.
A reunião do Rio de Janeiro foi
convocada durante a cúpula dos
dois blocos realizada em maio em
Madri. Como a crise argentina
tornou impraticável qualquer
avanço na cúpula na Espanha, a
maneira de fugir de uma sensação
de paralisia foi marcar uma reunião técnica para logo em seguida
(julho).
Mas as divergências impedem
que a reunião do Rio produza
avanços significativos. Além disso, três dos países-chave dos dois
lados do Atlântico têm eleições
próximas: Alemanha, em setembro, Brasil, em outubro, e Argentina, em março.
Tudo somado, a reunião do Rio
deverá servir apenas para uma
reafirmação da vontade política
de parte a parte de chegar a um
acordo, cujos contornos mais nítidos, no entanto, ficarão para
mais adiante.
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