São Paulo, terça-feira, 16 de julho de 2002

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Brasil e UE vão rachados a reunião

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A UE (União Européia) e o governo brasileiro chegarão com posições absolutamente divergentes à reunião do dia 23, no Rio de Janeiro, destinada a discutir o futuro da negociação entre o Mercosul e os europeus para uma ampla liberalização comercial.
Os chanceleres do Mercosul já receberam carta dos comissários (espécie de ministros) europeus para Comércio (Pascal Lamy) e para Relações Exteriores (Chris Patten), na qual tentam "partilhar algumas idéias consideradas úteis para a organização das discussões no dia 23".
Hoje, o ministro brasileiro Celso Lafer encaminha a sua resposta (a ser também enviada a seus pares dos países integrantes do Mercosul), na qual as "idéias úteis" diferem substancialmente da proposta européia.
A UE propôs que a negociação para a liberalização comercial tivesse duas fases.
Na primeira, haveria uma discussão, que os europeus pretendem que seja ambiciosa, referente a regras e disciplinas.
Traduzindo: os europeus querem que o Mercosul tenha regras comuns para, entre outras áreas, serviços, compras governamentais, investimentos e patentes.
São áreas que, se liberalizadas, seriam de mão única: a rigor, só firmas européias poderiam se beneficiar de regras mais abertas no Mercosul, já as firmas sul-americanas, salvo uma ou outra exceção, não têm condições de competir no mercado europeu.
A resposta de Lafer dirá que a idéia de duas fases pode ser aproveitada, desde que o conteúdo seja diferente: em vez de, primeiro, tratar de regras, a negociação UE/Mercosul começaria com objetivos de curto prazo, ou seja, com "expectativas menos ambiciosas", tal como Lafer disse a Lamy em encontro no sábado em Paris.
A segunda fase, aí sim, seria mais abrangente.

Abertura
Mas, de todo modo, o Mercosul quer a abertura européia já na primeira fase. Na carta ao Mercosul, os europeus lembram que sua primeira oferta negociadora, feita no ano passado, cobre 90% do comércio entre os dois blocos, ao passo que a proposta do Mercosul não vai além de 40%.
Lafer diz, em contrapartida, que os 90% europeus não atendem o que mais interessa ao Mercosul, que é a área agrícola e de agronegócio. Os europeus insistem em só negociar agricultura no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio).
O ministro brasileiro dirá, em sua carta, que a oferta européia é "modesta", razão pela qual a proposta do Mercosul também foi acanhada.
Um segundo ponto de divergência passa pela estrutura do Mercosul. Os europeus vêm insistindo em que o bloco sul-americano deve se aproximar, mais e mais, da forma tomada pela União Européia, com políticas comuns em várias áreas e com uma estrutura decisória conjunta.
Resposta de Lafer: "O aprofundamento do Mercosul não pode ser pré-requisito" para a negociação com os europeus.
A reunião do Rio de Janeiro foi convocada durante a cúpula dos dois blocos realizada em maio em Madri. Como a crise argentina tornou impraticável qualquer avanço na cúpula na Espanha, a maneira de fugir de uma sensação de paralisia foi marcar uma reunião técnica para logo em seguida (julho).
Mas as divergências impedem que a reunião do Rio produza avanços significativos. Além disso, três dos países-chave dos dois lados do Atlântico têm eleições próximas: Alemanha, em setembro, Brasil, em outubro, e Argentina, em março.
Tudo somado, a reunião do Rio deverá servir apenas para uma reafirmação da vontade política de parte a parte de chegar a um acordo, cujos contornos mais nítidos, no entanto, ficarão para mais adiante.



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