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OPINIÃO ECONÔMICA
Contra o pessimismo
ANTONIO BARROS DE CASTRO
O pessimismo de que falo
neste artigo refere-se às possibilidades de retomada do crescimento por parte da economia
brasileira. Pelo menos uma ressalva preliminar deve ser aqui feita. Caso o leitor acredite que a
economia capitalista tenha ingressado em sua crise terminal
(como se pensava ao fim do século 19) ou, digamos, que a penetração da droga e do tráfico ultrapassaram o ponto de não-retorno, inviabilizando a ordem social
e econômica deste país, nada encontrará neste texto capaz de alterar as suas convicções.
De fato, refiro-me, unicamente,
à habilitação desta economia para voltar a operar como uma economia capitalista, ou seja, extraindo crescimento do conjunto
de recursos materiais e humanos
de que dispõe -o que implica dizer: com alguma capacidade de
contornar ou solucionar problemas à medida que eles surjam.
Para que se aceite a hipótese do
crescimento daqui por diante, um
importante passo inicial consiste
em contrastar o quadro com que
nos defrontamos hoje com a situação existente no país antes da
grande desvalorização (1999) e da
montagem de um novo regime de
políticas macroeconômicas.
Naquele contexto, se a economia se expandisse, o déficit de
transações correntes -galopantemente crescente há vários
anos- se acentuaria ainda mais,
tornando (ainda mais) óbvia a
insustentabilidade das contas externas. Como é bem sabido, o recurso efetivamente disponível para os gestores da política econômica era então a elevação (ainda
maior) dos juros. As consequências desse tipo de iniciativa, em
termos de crescimento, dispensam comentários. E, quanto à hipótese da desvalorização cambial, a percepção amplamente
compartilhada à época era que
restabeleceria o descontrole inflacionário pré-Plano Real. E quem
discordasse corria o risco de ser
taxado de otimista...
Rememorado o quadro anterior, acrescentemos que, para um
grande número de analistas e observadores, a atual situação também contém severos freios ao crescimento. Mas há aqui que distinguir duas versões da descrença no
crescimento.
Alguns sublinham o fato de que
qualquer interrupção da entrada
de capitais acarreta, em princípio, nova desvalorização. Esta, ao
pôr em risco a estabilidade, leva à
alta da taxa de juros. Elevados os
juros, por sua vez, desaparece o
crescimento.
A primeira debilidade dessa explicação consiste em que, diferentemente do quadro anterior, as
dificuldades não nasceriam agora do funcionamento da economia doméstica. Mais que isso: seria preciso que, por alguma razão, a melhoria em curso do balanço de pagamentos fosse interrompida e invertida -sem que a
economia respondesse a esse desafio, automaticamente, ou via
novas medidas de política econômica. Além disso, cabe lembrar, o
financiamento externo às economias ditas emergentes já caiu
brutalmente (o fluxo privado líquido tombou de US$ 194 bilhões
em 2000 para US$ 110 bilhões em
2002). A bem dizer, seria preciso
supor uma catástrofe internacional, que presumo de baixa probabilidade. Já no contexto anterior
(segunda metade dos anos 1990),
bastava a ocorrência de uma inversão cíclica nas economias centrais -de alta probabilidade,
após anos de exuberância irracional.
Mas há uma variante da tese
pessimista, a meu juízo mais
plausível.
À medida que aumenta o volume de capital que ingressa na economia, o real tende a se valorizar,
o que prejudica as exportações.
Aparentemente, recoloca-se assim o quadro com que teve início
o Plano Real (existindo, no entanto, o antídoto de que, à medida que piora o quadro, volta a
desvalorização). Como diz meu
colega Pires de Souza, o perigo
aqui são os encantos da "plata
dulce": a valorização cambial barateia a vida, e a disposição do
exterior de financiar a economia
local pode sempre ser apresentada como um prêmio pelo acerto
das políticas e o bom desempenho
da economia.
Há pelo menos três respostas à
ameaça ao crescimento derivada
da valorização cambial: redução
da dívida dolarizada (obrigando
aqueles que detinham a dívida a
buscar dólares do mercado), ampliação das reservas e queda dos
juros decorrente do recuo da inflação. Mas há também uma outra, que deriva do próprio crescimento. O retorno da expansão
econômica trará consigo um aumento mais que proporcional das
importações -digamos, três pontos percentuais de importação
adicional, para cada ponto adicional de crescimento do PIB. No
caso, a demanda adicional de dólares aqueceria o respectivo mercado, contribuindo para corrigir
a valorização excessiva.
Em tempo: a preocupação com
o pessimismo acerca do crescimento não provém apenas de que
ele é, em princípio, auto-alimentador. Preocupa, também, o fato
de que ele pode levar a concessões
caras e, possivelmente, desnecessárias.
Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.
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