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São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Contra o pessimismo

ANTONIO BARROS DE CASTRO

O pessimismo de que falo neste artigo refere-se às possibilidades de retomada do crescimento por parte da economia brasileira. Pelo menos uma ressalva preliminar deve ser aqui feita. Caso o leitor acredite que a economia capitalista tenha ingressado em sua crise terminal (como se pensava ao fim do século 19) ou, digamos, que a penetração da droga e do tráfico ultrapassaram o ponto de não-retorno, inviabilizando a ordem social e econômica deste país, nada encontrará neste texto capaz de alterar as suas convicções.
De fato, refiro-me, unicamente, à habilitação desta economia para voltar a operar como uma economia capitalista, ou seja, extraindo crescimento do conjunto de recursos materiais e humanos de que dispõe -o que implica dizer: com alguma capacidade de contornar ou solucionar problemas à medida que eles surjam.
Para que se aceite a hipótese do crescimento daqui por diante, um importante passo inicial consiste em contrastar o quadro com que nos defrontamos hoje com a situação existente no país antes da grande desvalorização (1999) e da montagem de um novo regime de políticas macroeconômicas.
Naquele contexto, se a economia se expandisse, o déficit de transações correntes -galopantemente crescente há vários anos- se acentuaria ainda mais, tornando (ainda mais) óbvia a insustentabilidade das contas externas. Como é bem sabido, o recurso efetivamente disponível para os gestores da política econômica era então a elevação (ainda maior) dos juros. As consequências desse tipo de iniciativa, em termos de crescimento, dispensam comentários. E, quanto à hipótese da desvalorização cambial, a percepção amplamente compartilhada à época era que restabeleceria o descontrole inflacionário pré-Plano Real. E quem discordasse corria o risco de ser taxado de otimista...
Rememorado o quadro anterior, acrescentemos que, para um grande número de analistas e observadores, a atual situação também contém severos freios ao crescimento. Mas há aqui que distinguir duas versões da descrença no crescimento.
Alguns sublinham o fato de que qualquer interrupção da entrada de capitais acarreta, em princípio, nova desvalorização. Esta, ao pôr em risco a estabilidade, leva à alta da taxa de juros. Elevados os juros, por sua vez, desaparece o crescimento.
A primeira debilidade dessa explicação consiste em que, diferentemente do quadro anterior, as dificuldades não nasceriam agora do funcionamento da economia doméstica. Mais que isso: seria preciso que, por alguma razão, a melhoria em curso do balanço de pagamentos fosse interrompida e invertida -sem que a economia respondesse a esse desafio, automaticamente, ou via novas medidas de política econômica. Além disso, cabe lembrar, o financiamento externo às economias ditas emergentes já caiu brutalmente (o fluxo privado líquido tombou de US$ 194 bilhões em 2000 para US$ 110 bilhões em 2002). A bem dizer, seria preciso supor uma catástrofe internacional, que presumo de baixa probabilidade. Já no contexto anterior (segunda metade dos anos 1990), bastava a ocorrência de uma inversão cíclica nas economias centrais -de alta probabilidade, após anos de exuberância irracional.
Mas há uma variante da tese pessimista, a meu juízo mais plausível.
À medida que aumenta o volume de capital que ingressa na economia, o real tende a se valorizar, o que prejudica as exportações. Aparentemente, recoloca-se assim o quadro com que teve início o Plano Real (existindo, no entanto, o antídoto de que, à medida que piora o quadro, volta a desvalorização). Como diz meu colega Pires de Souza, o perigo aqui são os encantos da "plata dulce": a valorização cambial barateia a vida, e a disposição do exterior de financiar a economia local pode sempre ser apresentada como um prêmio pelo acerto das políticas e o bom desempenho da economia.
Há pelo menos três respostas à ameaça ao crescimento derivada da valorização cambial: redução da dívida dolarizada (obrigando aqueles que detinham a dívida a buscar dólares do mercado), ampliação das reservas e queda dos juros decorrente do recuo da inflação. Mas há também uma outra, que deriva do próprio crescimento. O retorno da expansão econômica trará consigo um aumento mais que proporcional das importações -digamos, três pontos percentuais de importação adicional, para cada ponto adicional de crescimento do PIB. No caso, a demanda adicional de dólares aqueceria o respectivo mercado, contribuindo para corrigir a valorização excessiva.
Em tempo: a preocupação com o pessimismo acerca do crescimento não provém apenas de que ele é, em princípio, auto-alimentador. Preocupa, também, o fato de que ele pode levar a concessões caras e, possivelmente, desnecessárias.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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