|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Balanços escondem deterioração na qualidade dos lucros
GRETCHEN MORGENSON
DO "NEW YORK TIMES"
A temporada de divulgação de balanços das empresas começou na semana passada,
e os números do segundo trimestre precisam ser bons. Caso isso
não aconteça, a grande onda de
compra de ações dos últimos meses terá uma base menos sólida do
que exigem os investidores mais
racionais.
Mas, mesmo que muitas empresas reportem números decentes, é pouco provável que os investidores estourem garrafas de
champanhe Dom Pérignon. Como a qualidade dos lucros se deteriorou de maneira tão significativa entre as maiores empresas dos
Estados Unidos -aquelas que
compõem o índice Standard &
Poor's 500 da Bolsa de Nova
York-, não seria exagero aconselhar os investidores a encarar
com suspeita cada um dos balancetes que lerem neste dias.
David Bianco, analista contábil
do banco UBS em Nova York, disse que "a qualidade dos lucros das
empresas do S&P 500, de um
ponto de vista contábil, é a pior
que vimos em mais de uma década". E ele pesquisou o suficiente
para provar sua afirmação.
A queda se deve em larga medida às práticas contábeis agressivas
adotadas em três áreas, afirmou o
analista. Primeiro vêm as chamadas provisões especiais, que as
empresas afirmam ser eventos extraordinários relacionados a reestruturações ou reavaliações de ativos, mas que na prática muitas vezes incluem custos operacionais
recorrentes, que deveriam ser deduzidos da receita.
Em segundo lugar, muitas empresas optaram por não subtrair
os custos das opções de ações de
seus resultados. Por fim, há as suposições róseas quanto aos fundos de pensão inflacionando os
ganhos que obtiveram -ou mascarando seus custos de manutenção-, para melhorar os resultados corporativos.
Se levarmos todos esses fatores
em conta, os lucros de muitas empresas não são aquilo que muitos
investidores presumem que sejam, disse Bianco. Como resultado, as ações dessas empresas exibem custos mais elevados, na forma de relação entre preço e lucro,
do que os investidores acreditam.
Ele analisou os resultados de todas as empresas que compõem o
índice S&P 500 nos últimos 11
anos, avaliando os lucros e as práticas contábeis ao longo de todo
um ciclo econômico. Depois,
ajustou os lucros divulgados pelas
empresas, levando em conta as
provisões especiais, as concessões
de opções de ações e as suposições
exageradamente otimistas quanto aos fundos de pensão.
O que Bianco descobriu foi que
em 1991 os lucros ajustados eram
mais ou menos 18% inferiores ao
que as empresas reportavam aos
seus acionistas, uma média de
US$ 15,91 por ação ante US$ 19,50
por ação.
Em 2002, o mesmo cálculo mostra uma imensa diferença: os lucros, ajustados para computar as
manipulações contábeis, eram na
verdade 41% inferiores aos números reportados aos investidores.
Gato por lebre
Assim, embora os investidores
possam ter pensado que pagariam cerca de 19 vezes os lucros
anuais líquidos por uma ação do
S&P, no ano passado eles estariam pagando na verdade 25 vezes os lucros anuais líquidos por
ação, depois do ajuste dos três
itens mencionados acima.
Em determinadas empresas, a
situação é ainda mais perturbadora. A Texas Instruments, para a
qual os analistas antecipam lucros
anuais de US$ 0,35 por ação, ganharia apenas US$ 0,10 por ação,
sob a fórmula de Bianco. Isso elevaria sua relação preço/lucro de
54 para 188, com base na cotação
da sexta-feira.
No caso do eBay, Bianco calcula
que o lucro por ação de US$ 1,46
previsto pelos analistas cairia a
US$ 0,57 pelo seu método. Isso
eleva a relação preço/lucro das
ações da empresa de 77 para 198.
Ainda que Bianco possa apenas
estimar os montantes que as empresas reportarão em provisões
especiais e outros itens, ele baseou
seus cálculos em médias históricas. "Estamos todos esperando
pelo dia em que as pessoas serão
forçadas a reconhecer os problemas de qualidade dos lucros", disse Bianco. "Isso parece estar acontecendo agora, em parte."
Mais empresas estão contabilizando opções de ações como despesas, e os fiscais vêm pressionando as corporações a justificar as
provisões especiais. "Se os lucros
forem exagerados por causa de
coisas como essas", disse Bianco,
e se novas regras forçarem mudanças, "será mais difícil que os
lucros cresçam, a partir de seu patamar atual".
Em outras palavras, a grande
bolha do mercado de ações ainda
não estourou de vez.
Tradução de Paulo Migliacci
Texto Anterior: Opinião econômica: Contra o pessimismo Próximo Texto: Luís Nassif: O velho sábio e o câmbio Índice
|