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São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2003

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ANÁLISE

Balanços escondem deterioração na qualidade dos lucros

GRETCHEN MORGENSON
DO "NEW YORK TIMES"

A temporada de divulgação de balanços das empresas começou na semana passada, e os números do segundo trimestre precisam ser bons. Caso isso não aconteça, a grande onda de compra de ações dos últimos meses terá uma base menos sólida do que exigem os investidores mais racionais.
Mas, mesmo que muitas empresas reportem números decentes, é pouco provável que os investidores estourem garrafas de champanhe Dom Pérignon. Como a qualidade dos lucros se deteriorou de maneira tão significativa entre as maiores empresas dos Estados Unidos -aquelas que compõem o índice Standard & Poor's 500 da Bolsa de Nova York-, não seria exagero aconselhar os investidores a encarar com suspeita cada um dos balancetes que lerem neste dias.
David Bianco, analista contábil do banco UBS em Nova York, disse que "a qualidade dos lucros das empresas do S&P 500, de um ponto de vista contábil, é a pior que vimos em mais de uma década". E ele pesquisou o suficiente para provar sua afirmação.
A queda se deve em larga medida às práticas contábeis agressivas adotadas em três áreas, afirmou o analista. Primeiro vêm as chamadas provisões especiais, que as empresas afirmam ser eventos extraordinários relacionados a reestruturações ou reavaliações de ativos, mas que na prática muitas vezes incluem custos operacionais recorrentes, que deveriam ser deduzidos da receita.
Em segundo lugar, muitas empresas optaram por não subtrair os custos das opções de ações de seus resultados. Por fim, há as suposições róseas quanto aos fundos de pensão inflacionando os ganhos que obtiveram -ou mascarando seus custos de manutenção-, para melhorar os resultados corporativos.
Se levarmos todos esses fatores em conta, os lucros de muitas empresas não são aquilo que muitos investidores presumem que sejam, disse Bianco. Como resultado, as ações dessas empresas exibem custos mais elevados, na forma de relação entre preço e lucro, do que os investidores acreditam.
Ele analisou os resultados de todas as empresas que compõem o índice S&P 500 nos últimos 11 anos, avaliando os lucros e as práticas contábeis ao longo de todo um ciclo econômico. Depois, ajustou os lucros divulgados pelas empresas, levando em conta as provisões especiais, as concessões de opções de ações e as suposições exageradamente otimistas quanto aos fundos de pensão.
O que Bianco descobriu foi que em 1991 os lucros ajustados eram mais ou menos 18% inferiores ao que as empresas reportavam aos seus acionistas, uma média de US$ 15,91 por ação ante US$ 19,50 por ação.
Em 2002, o mesmo cálculo mostra uma imensa diferença: os lucros, ajustados para computar as manipulações contábeis, eram na verdade 41% inferiores aos números reportados aos investidores.

Gato por lebre
Assim, embora os investidores possam ter pensado que pagariam cerca de 19 vezes os lucros anuais líquidos por uma ação do S&P, no ano passado eles estariam pagando na verdade 25 vezes os lucros anuais líquidos por ação, depois do ajuste dos três itens mencionados acima.
Em determinadas empresas, a situação é ainda mais perturbadora. A Texas Instruments, para a qual os analistas antecipam lucros anuais de US$ 0,35 por ação, ganharia apenas US$ 0,10 por ação, sob a fórmula de Bianco. Isso elevaria sua relação preço/lucro de 54 para 188, com base na cotação da sexta-feira.
No caso do eBay, Bianco calcula que o lucro por ação de US$ 1,46 previsto pelos analistas cairia a US$ 0,57 pelo seu método. Isso eleva a relação preço/lucro das ações da empresa de 77 para 198.
Ainda que Bianco possa apenas estimar os montantes que as empresas reportarão em provisões especiais e outros itens, ele baseou seus cálculos em médias históricas. "Estamos todos esperando pelo dia em que as pessoas serão forçadas a reconhecer os problemas de qualidade dos lucros", disse Bianco. "Isso parece estar acontecendo agora, em parte."
Mais empresas estão contabilizando opções de ações como despesas, e os fiscais vêm pressionando as corporações a justificar as provisões especiais. "Se os lucros forem exagerados por causa de coisas como essas", disse Bianco, e se novas regras forçarem mudanças, "será mais difícil que os lucros cresçam, a partir de seu patamar atual".
Em outras palavras, a grande bolha do mercado de ações ainda não estourou de vez.


Tradução de Paulo Migliacci


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