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São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Por uma lei de responsabilidade regulatória

GESNER OLIVEIRA

É urgente diminuir o risco regulatório no Brasil. A parceria público-privada sobre a qual tanto se fala só tem sentido com regras estáveis. Da mesma forma, o investimento direto estrangeiro requer previsibilidade. Uma lei de responsabilidade regulatória (LRR) é importante para ambos.
A LRR deveria ser uma lei geral das agências reguladoras para aprofundar e corrigir o modelo criado nos anos 90. O Executivo precisa entender que a chance de retorno ao monopólio estatal é nula. As agências vieram para ficar. Cada declaração ambígua sobre esse assunto é uma ducha de água fria no investimento.
E a economia precisa urgentemente de inversão produtiva. O investimento direto estrangeiro acumulado no primeiro semestre deste ano (US$ 3,5 bilhões) representa apenas 36% do montante observado no mesmo período de 2002 e 26% do investimento observado no mesmo período em 2000. A previsão do Banco Central para o investimento direto de 2003 despencou de US$ 16 bilhões para US$ 10 bilhões.
Os investimentos externos em energia e telecomunicações caíram de US$ 3,74 bilhões no primeiro semestre de 2002 para US$ 1,31 bilhão no primeiro semestre deste ano. Segundo a Abdib (Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base), inversões da ordem de US$ 10 bilhões a US$ 12 bilhões foram canceladas em razão da indefinição dos modelos regulatórios.
A formação de capital está desabando. A construção civil, que responde por dois terços do investimento nacional, apresentou queda de 11% no segundo trimestre deste ano relativamente ao mesmo período do ano anterior. O terço restante, formado pelas máquinas e equipamentos, também deve apresentar queda, uma vez que no primeiro semestre a produção nacional desse setor apresentou declínio de 2,1% e as importações de bens de capital caíram 30%.
No setor elétrico a situação não é diferente. De acordo com a Abradee (Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica), a indefinição do novo modelo do setor colocou em compasso de espera quase 30 das 40 obras de geração de energia atualmente em andamento.
Diante da indefinição do Executivo, é possível imaginar um papel mais ativo do Legislativo em matéria regulatória. O projeto de lei apresentado recentemente pelo senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) que cria uma instância examinadora e aconselhadora vai nessa direção.
O projeto Telma de Souza (PT-SP) segue um caminho perigoso ao facilitar demasiadamente a demissão de dirigentes das agências, pois lhes retira autonomia, o que aumenta o risco político-regulatório. Seria melhor tornar para valer as sabatinas do Senado para a aprovação dos nomes que o Planalto indica para regular setores estratégicos e complexos.
Mas o Executivo também pode aperfeiçoar o controle de qualidade sobre as agências. A experiência dos EUA é útil nesse sentido. Nos EUA, existe um órgão (Departamento de Informações e Assuntos Regulatórios, Oira, na sigla em inglês) que faz parte da estrutura do Departamento de Gestão e Orçamento, vinculado ao Poder Executivo. Funciona como um regulador dos reguladores.
Cabe ao Oira estabelecer um canal de comunicação e fiscalização entre a sociedade e as agências reguladoras, analisar os impactos das diversas regulações editadas pelas agências e, de particular relevância para o caso brasileiro, evitar conflitos entre as ações das diversas agências.
Destacam-se duas exigências às agências do EUA. A primeira é preparar uma agenda de todas as regulações em desenvolvimento ou revisão, na data e na maneira especificadas pelo administrador da Oira. A segunda é preparar um plano regulatório que contenha um compromisso objetivo quanto aos objetivos a serem perseguidos e como esses últimos se articulam com as demais políticas públicas.
Uma lei geral das agências na esteira do Administrative Procedure Act americano seria oportuna no caso brasileiro. Nortearia a atuação das agências, exigindo transparência e ditando o procedimento de julgamento administrativo com contraditório e celeridade; exigiria consulta pública e análise de custo-benefício para as normas mais importantes.
O Judiciário também precisa mudar. A morosidade, a falta de especialização em matérias de elevado conteúdo técnico e a "indústria de liminares" geram ainda mais incerteza regulatória.
Uma mudança firme na direção apontada acabaria com picuinhas ideológicas acerca das agências reguladoras. Significaria um avanço, conferindo maior segurança jurídica em um momento no qual o risco regulatório constitui um dos principais entraves ao investimento, à produção e ao emprego.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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