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OPINIÃO ECONÔMICA
O consumidor e a nova agência
GESNER OLIVEIRA
Completados dez anos do
Código de Defesa do Consumidor na última segunda-feira, o
Brasil avançou razoavelmente na
matéria. Parece oportuno perguntar qual é a relação dessa área
com a da defesa da concorrência,
uma vez que o governo criou um
grupo de trabalho para elaborar
projeto de nova agência de defesa
do consumidor e da concorrência.
Chama a atenção o fato de os dois
temas estarem sendo tratados
conjuntamente, em contraste
com a legislação atual, que prevê
sistemas distintos para cada um
deles.
A experiência internacional é
muito diversificada a esse respeito. Alguns órgãos centralizam
ambas as atividades, como o Indecopi, no Peru, ou a Federal Trade Commission, nos EUA. Outros
tratam apenas da defesa da concorrência, como o Departamento
de Justiça, nos EUA, ou o Procompetencia, na Venezuela.
Independentemente do desenho
burocrático, é evidente a proximidade entre as duas áreas. Afinal,
o objetivo da defesa da concorrência é beneficiar o consumidor.
Há pelo menos três ações que requerem coordenação entre os órgãos de proteção ao consumidor e
os de defesa da concorrência.
Em primeiro lugar, os organismos de defesa do consumidor têm
frequentemente levantado denúncias de abuso do poder de
mercado. Tais reclamações precisam ser tratadas o mais rapidamente possível para evitar que o
cidadão fique frustrado com o típico jogo de empurra-empurra
dos órgãos do governo. Assim, a
capacidade de identificar rapidamente a quem compete, por
exemplo, um problema de fraude
de gasolina ou um "apagão" é
crucial para conferir agilidade e
credibilidade ao sistema.
Em segundo lugar, as opiniões
de associações de consumidores
devem contribuir na tomada de
decisão antitruste. Na deliberação do Cade sobre a compra da
Kolynos pela Colgate, por exemplo, o depoimento do Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) foi muito útil.
Em terceiro lugar, os órgãos representativos dos consumidores e
sobretudo os Procons poderiam
ter uma participação mais ativa
na fiscalização de decisões do Cade. No caso AmBev, por exemplo,
o Cade decidiu proibir a imposição de contratos de exclusividade
aos pontos-de-venda de cerveja. A
colaboração de entidades de consumidores é valiosa quando se
pretende monitorar um mercado
tão abrangente e com uma rede
de distribuição capilarizada. Essa
ação se torna ainda mais importante nos setores regulados (por
exemplo, água, luz e telefone), nos
quais há, em geral, contratos de
concessão com metas de qualidade e de universalização de serviços a ser monitorados e renegociados periodicamente.
Apesar das convergências apontadas entre a defesa da concorrência e a do consumidor, seria
equivocado negligenciar as diferenças entre ambas as atividades.
A defesa do consumidor envolve
uma relação direta entre esse último e o fornecedor do produto ou
serviço. Em contraste com a defesa da concorrência, requer-se
mais descentralização e participação de esferas estaduais e municipais. Assim, uma agência federal não deveria inibir uma tendência saudável de surgimento e
proliferação de instituições locais
de proteção ao consumidor.
Por sua vez, a relação fornecedor-consumidor é, em geral, bastante desigual, em prejuízo do segundo, fazendo com que o legislador tenha optado por proteger o
consumidor. Isso implica admitir
um padrão de prova menos rigoroso para, por exemplo, condenar
uma loja que vendeu um produto
baseado em propaganda enganosa.
Diferentemente, na defesa da
concorrência, a autoridade precisa demonstrar que uma determinada prática, como a da venda
casada, tem, de fato, o condão de
prejudicar a concorrência. A aplicação automática de critérios de
uma área na outra pode gerar
graves distorções. Seria contraproducente, por exemplo, se, a
pretexto de combater abusos de
cartéis, as autoridades passassem
a utilizar exclusivamente critérios
do código de defesa do consumidor. Isso geraria insegurança jurídica, inibindo o investimento e
prejudicando o mercado e, em última análise, o próprio consumidor.
Note-se, por fim, a existência de
eventuais conflitos que precisariam ser harmonizados. A maior
exigência por parte dos consumidores em relação, por exemplo, a
padrões mais elevados de segurança ou de meio ambiente de
um determinado produto pode
exigir maior volume de capital e,
portanto, representar maiores
barreiras à entrada no mercado,
reduzindo a concorrência.
A união da defesa da concorrência e do consumidor sob uma
mesma agência pode ser, em princípio, uma idéia interessante e
com precedentes internacionais.
Sua implementação prática exigirá, contudo, uma ação criteriosa,
que aproveite as convergências e
respeite as diferentes óticas das
duas áreas de política pública.
Gesner Oliveira, 44, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-SP e ex-presidente do Cade.
E-mail - gesner@fgvsp.br
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