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GESNER OLIVEIRA
Travesso Morales
A crise da Bolívia não tem caráter temporário, a dor de cabeça com Hugo Chávez e
Evo Morales veio para ficar
HÁ UMA grande distância entre os desejos manifestados
pelo governo e a realidade. O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva
quer manter uma relação cordial
com a Bolívia, mas o governo Morales não pára de dar demonstrações
de hostilidade. O ministro Luiz Fernando Furlan defendeu o estabelecimento de metas de crescimento de
5%-6% para os próximos quatro
anos, mas a política econômica do
próprio governo não emite sinais
nessa direção.
O Brasil tem sido leniente com a
Bolívia. A reação à nacionalização
dos ativos petrolíferos, em maio, já
havia sido branda, para dizer o mínimo. Em linguagem de teoria dos jogos, o ataque sistemático ao chamado "imperialismo brasileiro" parece
ser a estratégia dominante da Bolívia. Isto é, qualquer que seja o grau
de concessão por parte do Brasil, o
governo Morales procura extrair dividendos políticos de ataques abertos aos interesses brasileiros.
Em tais condições, a posição brasileira não pode ser passiva. É preciso tranqüilizar o presidente Lula de
que não se trata de invadir a Bolívia.
Mas de rechaçar de forma mais contundente em todos os fóruns o grau
de discricionariedade e desrespeito
aos contratos (atitude que, aliás, deveria valer para todas as esferas governamentais no plano doméstico...). É um repúdio a uma ação antiinvestimento do governo daquele
país em prejuízo do próprio povo
boliviano.
Ao mesmo tempo, no plano econômico, é preciso ficar claro que
houve uma reavaliação definitiva
dos projetos com a Bolívia. A crise da
Bolívia não tem caráter temporário.
A dor de cabeça com o eixo Chávez-Morales veio para ficar. O Brasil precisa reavaliar sua posição em bases
permanentes.
Em relação ao gás natural, isso
equivale a acelerar a concretização
de fontes alternativas em vários Estados do Brasil, pesquisar novas fontes e viabilizar suprimento complementar internacional de GLP. A melhor maneira de negociar com um
fornecedor é manter uma linha
aberta com os seus concorrentes. De
preferência em viva-voz, para que fique bem claro que ninguém é insubstituível.
A distância entre desejo e realidade é igualmente abismal quando se
trata de projeções para o crescimento brasileiro. É louvável a preocupação do ministro Furlan em acelerar
o crescimento. O problema é a incompatibilidade da proposição com
o restante da política econômica.
A taxa de expansão do Brasil foi de
2,4% nos últimos quatro anos. Uma
expansão de 5% a 6%, como proposta pelo ministro Furlan, equivaleria
a aumentar essa taxa em cerca de
130%. Em tese, isso seria possível,
mas exigiria a adoção de um conjunto amplo de medidas. A receita envolveria, entre outros elementos, o
aumento do investimento público, a
contenção drástica de despesas correntes, a sinalização crível de desoneração tributária, a redução mais
rápida dos juros e conseqüente realinhamento da taxa de câmbio.
Além disso, a retomada de investimentos em infra-estrutura exigiria
uma atitude do Estado diametralmente oposta àquela de Evo Morales. O investimento de longo prazo
exige a soberania das regras, e não da
vontade do príncipe. No caso brasileiro, isso requer urgente definição
de marcos regulatórios setoriais e o
fortalecimento das agências reguladoras.
As projeções para a economia brasileira não parecem validar a meta
otimista de 5%-6% nem mesmo o
número de 4% para este ano, ainda
defendido pelo Ministério da Fazenda. O FMI divulgou projeção de
3,6% para 2006 nesta semana. O
Ipea reviu previsão original de 3,8%
para 3,3% para este ano. Para 2007,
o mesmo instituto prevê expansão
de 3,6%.
Conforme destacado pelo FMI, tal
desempenho é um dos mais fracos
em termos de crescimento entre as
economias emergentes. Não precisa
comparar com a China. Basta dizer
que a Índia cresce a um ritmo de
mais do que o dobro do Brasil.
Em um mundo de crescimento e
elevação continuada no preço das
commodities, as disparidades entre
o discurso e a realidade não se manifestam de forma imediata. Lembre-se, no entanto, e ainda de acordo
com o FMI, de que as circunstâncias
mundiais serão provavelmente piores nos próximos anos. Nesse novo
quadro internacional, haverá menos
espaço para discrepância entre as
promessas e o mundo real.
GESNER OLIVEIRA, 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP,
presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e
ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
gesner@fgvsp.br
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