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Alta nos produtos
agrícolas veio para
ficar, diz ministro
Crescimento mundial e uso de matéria-prima para álcool elevam preços de alimentos a patamar superior, diz Reinhold Stephanes
Titular da Agricultura alerta
para falta de financiamento
do plantio da próxima safra e
culpa BB por criar obstáculos
para conceder empréstimos
IURI DANTAS
SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Diferentemente do que defende a equipe econômica, o
aumento de preços dos alimentos que o consumidor já vem
experimentando não deve ser
passageiro, na avaliação do ministro Reinhold Stephanes
(Agricultura). Segundo ele, depois de 20 anos contribuindo
para puxar a inflação para baixo, os alimentos atingiram novo patamar de preços e a tendência é de alta.
"Os preços se elevaram, no
momento não muito, mas tenho impressão de que esse é
um fenômeno que vai se manter", diz em entrevista à Folha.
Ele baseia sua avaliação no
ciclo de crescimento mundial,
que, diz acreditar, poderá até
ser um pouco reduzido por
conta da crise financeira nos
Estados Unidos, mas ainda se
manterá nos próximos anos, e
também no uso de grãos como
matéria-prima para biocombustíveis em todo o mundo.
Tudo isso, porém, rebate, não
será um risco para a inflação.
Stephanes, deputado eleito
pelo PMDB do Paraná, fala
também das expectativas à
frente de uma área que enfrentou forte crise e falta de recursos no primeiro mandato de
Luiz Inácio Lula da Silva.
Ele diz que um risco para o
cenário favorável atual da agricultura é a falta de financiamento do plantio da próxima
safra e culpa o Banco do Brasil
por criar obstáculos para conceder os financiamentos depois de várias reuniões no ministério.
"Até agora, só 15% dos produtores têm financiamento.
Nos outros anos, neste período,
já eram mais de 40%", diz.
Leia, a seguir, trechos da entrevista.
FOLHA - Há problemas na renegociação de dívida rural?
REINHOLD STEPHANES - É que se
combinaram as coisas e o Banco do Brasil não está executando. Dívida rural não é negócio.
A dívida rural é uma situação
que tem de ser analisada tecnicamente e tem que haver um
entendimento sobre como vamos estruturá-la.
FOLHA - Os problemas são os mesmos todos os anos.
STEPHANES - A gente discutia
endividamento em tempos de
crise. Dessa vez começamos em
momentos mais tranqüilos,
com racionalidade. As coisas
andaram, pelo menos a parte
que dizia respeito à obtenção
de financiamento dessa safra
que vai se plantar. Mas o Banco
do Brasil resolveu analisar caso
a caso. Agora, bem em cima da
hora do plantio.
Como não há tempo de analisar, o banco diz: quem pagar
aceito; quem não pagar analiso
depois. Mas o sujeito quer plantar. Dizem que, se não pagar, há
problemas de garantias. Mas
em nenhum momento nem o
diretor nem o presidente do
Banco do Brasil falaram isso
nas reuniões.
Até agora só 15% dos produtores têm financiamento. Nos
outros anos, nesse período, já
eram mais de 40%. Imagina
manter a calma. É bom alertar
de que há insatisfação do ministro e de agricultores.
FOLHA - A pressão dos alimentos
na inflação preocupa?
STEPHANES - Qual era o fenômeno natural nos últimos 20
anos? O preço dos alimentos
estava abaixo da inflação. O que
puxou a inflação? Transportes,
combustíveis, telecomunicações, planos de saúde, educação, aqueles índices tradicionais. As curvas dos alimentos
são descendentes. O aumento
de produção se deu pela maior
produtividade e esse excesso de
oferta se transferia para o consumidor. Essa é a história.
Hoje, aparentemente, acontece uma inflexão dessa curva.
Ela tende a subir e a se estabelecer num patamar um pouco
mais alto, por duas situações
convergentes que não aconteceram nos últimos cem anos.
Uma é ter um período de crescimento elevado por longo período. O último período de
crescimento mundial de longo
prazo foi de 1970 a 1974, quebrado pela crise do petróleo de
1975.
Agora, de repente, começa a
partir de 2002 um crescimento
mundial quase generalizado.
Isso leva a expansão da renda,
que provoca, em primeiro lugar, aumento no consumo de
comida. Muitos países que não
comiam carne passaram a comer. Então, há um fenômeno
de aumento de renda e de consumo. O exemplo mais claro é a
China, que aumenta o consumo
por alimentos em 9% e uns
quebrados ao ano. Onde há aumento de produção de 9% ao
ano para atender a demanda?
Há um aumento da demanda
mundial. Um fenômeno que, se
prosseguir, em dois, três, quatro anos de crescimento, mesmo que diminua um pouco,
provocará um aumento forte
por demanda. Você vê que não
é por acaso que o Brasil está aumentando em 20% a exportação de carnes todo ano.
E a outra questão conjugada
totalmente nova é o uso de matérias-primas agrícolas para a
produção de álcool. Não é nova
no Brasil, não altera o nosso panorama a curto prazo. Mas é
nova quando os Estados Unidos resolvem pegar 80 milhões
de toneladas de milho, mais do
que a produção brasileira, só
para fazer álcool.
O mercado está enxergando
isso, vendo que os EUA criaram
uma estrutura de produção forte a partir do milho e não vão
sair dela. Claro que houve aumento do milho e da soja, que
são utilizados para alimentação
animal. Em conseqüência, houve elevação do preço do frango
e da carne bovina.
Os preços se elevaram, no
momento não muito, mas tenho a impressão de que esse é
um fenômeno que vai se manter à medida que a demanda
mundial continue aquecida por
alimentos.
FOLHA - Qual a melhor opção para
o Brasil atravessar esse período de
altas nos preços?
STEPHANES - O aumento interno
ainda não é tão alto, no geral influenciou a inflação em um
ponto [percentual e] alguma
coisa. Mas vejo com muita dificuldade. Por mais que haja uma
boa safra, isso só evita que os
preços subam mais, mas a demanda mundial está aquecida.
FOLHA - Uma recessão nos EUA
muda muito o quadro?
STEPHANES - Não há previsões
ainda de recessão, mas de uma
diminuição no ritmo de crescimento. De qualquer forma, tem
aí acumulado um bom ritmo,
um novo patamar de renda e de
consumo. Quando se projeta,
vemos uma tendência do aumento da demanda de consumo de alimentos e não vemos
muitos países com capacidade
de atender essa demanda. A
China vai continuar demandando produtos, não tem produção interna.
Aí vêm umas coisas interessantes. Em dez anos, o Brasil
representará 80% do mercado
exportador do mundo. Hoje, temos 40%. A tendência é que alguns aumentos de demanda sejam atendidos pelo país.
FOLHA - O aumento de preços será
bom para o Brasil?
STEPHANES - Acaba sendo extremamente interessante porque
o Brasil é o país que tem as melhores condições para dar resposta. Tanto que somos líderes
em exportação de carne, grãos,
álcool etc. Nada indica que essa
tendência vá cair, a não ser que
haja uma recessão mundial.
FOLHA - O aquecimento de preços
representa ameaça ao controle da
inflação?
STEPHANES - Não, porque é preciso ver o peso da comida no orçamento familiar. Claro que
agora há pequeno ajuste, mas
nada de mais. Isso vai ser agora
um processo, pode ver que já
houve o primeiro impacto.
Os preços já estão num novo
patamar, e a inflação já absorveu. É evidente que, olhando isso no longo prazo, a tendência é
crescer, mas não para grandes
saltos, um pouco a cada ano.
FOLHA - Qual é a visão do governo
a respeito?
STEPHANES - Até agora, não temos sentado para conversar sobre isso, porque esses impactos
aconteceram há pouco tempo,
o próprio Mantega considerou
pontuais e já absorvidos. Agora,
evidentemente, tem de monitorar daqui para a frente.
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