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São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2003

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Presidente da montadora no Brasil quer transformar empresa em plataforma exportadora; ociosidade chega a 40%

Volks pede fim gradual da isenção do IPI

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

Há um ano na presidência da Volkswagen do Brasil, o inglês Paul Fleming, 43, não acredita numa grande recuperação da economia em 2004, apesar dos sinais positivos dos últimos meses. "A economia se estabilizou num nível baixo", afirma.
Fleming teme o fim da redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos automóveis, previsto para este mês. Ele propõe ao governo que a volta ao IPI antigo seja feita de forma gradual, com aumento de um ponto percentual ao mês.
O executivo diz que a Volkswagen investiu muito nos últimos anos e agora precisa preencher a capacidade ociosa. "Ficamos esperando pelo sonho brasileiro e ele não veio." A seguir, trechos da entrevista à Folha:
 

Folha - Como foi seu primeiro ano no Brasil?
Paul Fleming -
Do ponto de vista pessoal e mesmo profissional, eu diria que foi um ano instigante. Ao mesmo tempo, foi também um ano frustrante. A Volkswagen do Brasil acreditava que, neste ano, fosse ter uma operação com resultado positivo. Mas três coisas aconteceram, e isso não se realizou: 1) o mercado interno de automóveis foi o menor em dez anos; 2) as taxas de juros se mantiveram artificialmente altas; 3) e o câmbio se mostrou muito instável, em especial no começo do ano. Se não fossem esses três fatores, estaríamos fechando o ano no azul. Como não estamos fazendo dinheiro, tivemos de reestruturar nosso negócio profundamente.

Folha - Como anda a relação da Volkswagen com o governo?
Fleming -
Eu costumo não fazer comentários sobre o governo. O governo faz a parte dele, e nós, a nossa. O presidente Lula sabe exatamente o que fazer, assim como nós sabemos produzir carros. É claro que, quando temos projetos novos, falamos com o governo e mostramos nossas idéias. Foi assim com a Autovisão [empresa criada para realocar funcionários excedentes e dar formação para desenvolvimento de novas oportunidades de negócios]. Lula foi a primeira pessoa fora da Volkswagen a saber do projeto no Brasil.

Folha - A economia melhora?
Fleming -
A economia se estabilizou num nível baixo. Há quatro meses, pouco mais que isso, atingimos essa condição, o que é fantástico, mas infelizmente nesse nível baixo. Há muitos sinais positivos no cenário. O câmbio está num nível realista, a Selic provavelmente cairá ainda mais nas próximas semanas, mas o mercado interno de carros não está se recuperando. Há quem preveja uma recuperação grande, projetando mais de 10%, até 15% de crescimento para o próximo ano. Mas não vemos esses sinais no varejo e preferimos manter os pés bem plantados no chão, calculando que o crescimento será de 3% ou 4%. O mercado tem muito a ver com a confiança do consumidor no futuro. As pessoas estão voltando lentamente às compras.

Folha - Há lugar para tantas montadoras no Brasil?
Fleming -
Em princípio, não. Nós entendemos isso há alguns anos, e essa é a razão de a Volks estar criando no Brasil uma plataforma exportadora muito forte. Hoje, exportamos um terço dos nossos carros. Em 2005, um em cada dois veículos será exportado. Nós vamos exportar 160 mil carros neste ano, o mesmo que todas as outras montadoras somadas. A capacidade ociosa chega a 40%. Parece que todo mundo ficou esperando pelo "sonho brasileiro", algo como "amanhã o sol vai nascer e tudo vai melhorar". Na Volks, ficamos seis anos esperando por esse dia e ele não veio.

Folha - O governo pode ajudar?
Fleming -
Sim, basicamente gerando confiança nos consumidores e nos mercados. Para decidir investir em um carro, um bem que custa mais de R$ 15 mil, é preciso confiança no futuro. É por isso que períodos de recessão nos afetam tão duramente.

Folha - A Volkswagen tem planos de novos investimentos no Brasil?
Fleming -
Há alguns meses, o ministro [Antonio] Palocci [Filho, da Fazenda] disse que a volatilidade do real estava resolvida, os juros estavam caindo e a inflação estava sob controle. Com a economia estabilizada, dizia ele, era chegada a hora de investir no Brasil. Eu concordo. Ocorre que a Volks já investiu, e muito, nos últimos anos. Agora, temos de preencher a capacidade ociosa. A situação favorece a que outras indústrias realmente invistam no Brasil. Investimos de R$ 450 milhões a R$ 500 milhões anualmente nos últimos seis anos. O que investirmos daqui em diante será em produtos, e não em instalações, porque esse investimento está feito. Essa é a filosofia agora.

Folha - A redução do IPI, de três pontos percentuais, ajudou a vender mais?
Fleming -
Sim, um pouco. E isso vai criar um problema quando acabar, agora em novembro. Seria uma boa idéia, em vez de simplesmente voltar ao IPI de antes, fazer isso em degraus: dezembro, janeiro e fevereiro, por exemplo, um ponto percentual ao mês. Se o governo puder manter a redução, melhor ainda. Vamos ver como fica. O fato é que os impostos sobre os carros são, no Brasil, maiores do que em qualquer outro lugar do mundo. Se o governo reduz a taxação, vendemos mais.

Folha - O sr. conversa com o governo sobre a reforma tributária?
Fleming -
Bem, sabemos que os impostos sobre veículos não são a coisa mais importante da agenda de Lula. Mas, uma vez, o encontrei em um evento em São Paulo e ele me disse que gostaria de ver as ruas do país, um dia, cheias de carros novos. O presidente entende que o setor precisa de ajustes e ele sabe bem quais são eles, acredito. O presidente conhece nosso negócio. Sabe que as pessoas não compram carros novos porque não podem. Carros novos na rua significam que a economia vai bem, significam prosperidade.


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