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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
"Se ousares, ousa!"
É no campo das despesas financeiras que se nota o maior e mais evidente desperdício do Estado
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VOLTO AOS dilemas da política
econômica. O governo dá sinais de que está (outra vez!)
dividido entre a vontade de crescer e
o medo de enfrentar riscos e desafios. A exortação escolhida como título do artigo é retirada de um poema de Fernando Pessoa (na verdade, do seu heterônimo Álvaro de
Campos). Recorro a ela sem grandes esperanças e com algum constrangimento, confesso. É até um
certo abuso servir-se do grande
poeta português para falar do governo brasileiro.
Mas, enfim, lembrei-me do poema ao ler nos jornais que o presidente da República ficara insatisfeito com o pacote de medidas fiscais apresentado pela equipe econômica nesta semana. Segundo se
noticiou, Lula quer mais ousadia
nas medidas de desoneração tributária. Ele espera, com isso, cumprir
a promessa de tirar a economia da
quase estagnação em que se encontra, elevando o crescimento do PIB
de 3% para algo como 5% ao ano.
O impulso do presidente é legítimo. É de ousadia que se precisa. A
carga tributária global -definida
como a relação percentual entre todos os tributos (federais, estaduais
e municipais) e o PIB- cresceu de
maneira extraordinária durante o
período Fernando Henrique Cardoso e continuou aumentando, ainda que em ritmo menor, durante o
governo Lula. Segundo o último levantamento da Secretaria da Receita Federal, a carga tributária alcançou 37,4% em 2005. O peso da tributação é um dos fatores que explicam o lento crescimento da economia e dos investimentos produtivos.
O presidente quer uma redução
substancial de tributos, particularmente sobre investimentos. Mas
quer, também, manter a meta de
4,25% para o superávit primário do
setor público. Desejos inconsistentes? Não necessariamente. Seria
preciso, claro, reduzir os gastos públicos como proporção do PIB.
Que gastos? Não os investimentos públicos, que foram fortemente
comprimidos nos últimos anos e
devem, ao contrário, aumentar,
particularmente em áreas prioritárias para o desenvolvimento como
a infra-estrutura de energia e
transportes (eletricidade, estradas,
portos, aeroportos, segurança aérea etc.).
Gastos correntes? Depende. As
despesas correntes não-financeiras
aumentaram muito no governo
FHC e no atual. Será certamente
possível identificar, em diferentes
pontos da administração pública,
desperdícios, gastos de baixa prioridade, desvio de recursos e sobreposição de programas.
Não se deve esquecer, porém, que
as despesas correntes não-financeiras incluem programas altamente prioritários. Gastos com educação e programas de transferência
de renda vinculados à educação
(Bolsa Família), classificados como
gastos correntes, são na verdade investimentos de outro tipo, na formação de capital humano. O Bolsa
Família é, também, um programa
bastante bem-sucedido de distribuição de renda e de combate à pobreza. Além disso, há notória insuficiência de recursos em áreas vitais da máquina pública, como a segurança pública e a defesa das fronteiras, para citar apenas dois exemplos.
É uma ilusão, portanto, imaginar
que se conseguirá abrir grande espaço para a desoneração tributária
e a ampliação do investimento público com a diminuição do nível dos
gastos correntes não-financeiros.
É no campo das despesas financeiras, impulsionadas pela extravagante política de juros do Banco
Central, que se nota o maior e mais
evidente desperdício do Estado
brasileiro. A despesa com juros do
setor público como um todo chega
a R$ 158,7 bilhões, nada menos que
7,8% do PIB. A política monetária
do Banco Central é o maior programa de concentração de renda do
governo federal. Tira recursos do
Orçamento para pagar gordos benefícios sob a forma de juros a uma
minoria privilegiada de credores
da dívida pública. Deprime o crescimento da demanda interna e
provoca sobrevalorização cambial.
O comando do Banco Central é
um dos grandes responsáveis pelo
desequilíbrio das contas públicas e
pelo baixo crescimento da economia. A forma mais eficaz de abrir
espaço para a desoneração tributária e o aumento do investimento
público é reduzir a taxa de juros e o
custo da dívida pública, combinando a mudança na área monetária
com um esforço de diminuição
gradual dos gastos correntes não-financeiros como proporção do
PIB.
Para isso, contudo, será preciso
substituir o presidente e os principais diretores do Banco Central.
Essa turma, como se sabe, tem costas quentes. Por isso repito a exortação: Presidente Lula, não fique
no meio do caminho, não adote
meias medidas! "Se ousares, ousa!"
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/
Elsevier, 2005).
E-mail: pnbjr@attglobal.net
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