São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 2006

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

"Se ousares, ousa!"


É no campo das despesas financeiras que se nota o maior e mais evidente desperdício do Estado

VOLTO AOS dilemas da política econômica. O governo dá sinais de que está (outra vez!) dividido entre a vontade de crescer e o medo de enfrentar riscos e desafios. A exortação escolhida como título do artigo é retirada de um poema de Fernando Pessoa (na verdade, do seu heterônimo Álvaro de Campos). Recorro a ela sem grandes esperanças e com algum constrangimento, confesso. É até um certo abuso servir-se do grande poeta português para falar do governo brasileiro.
Mas, enfim, lembrei-me do poema ao ler nos jornais que o presidente da República ficara insatisfeito com o pacote de medidas fiscais apresentado pela equipe econômica nesta semana. Segundo se noticiou, Lula quer mais ousadia nas medidas de desoneração tributária. Ele espera, com isso, cumprir a promessa de tirar a economia da quase estagnação em que se encontra, elevando o crescimento do PIB de 3% para algo como 5% ao ano.
O impulso do presidente é legítimo. É de ousadia que se precisa. A carga tributária global -definida como a relação percentual entre todos os tributos (federais, estaduais e municipais) e o PIB- cresceu de maneira extraordinária durante o período Fernando Henrique Cardoso e continuou aumentando, ainda que em ritmo menor, durante o governo Lula. Segundo o último levantamento da Secretaria da Receita Federal, a carga tributária alcançou 37,4% em 2005. O peso da tributação é um dos fatores que explicam o lento crescimento da economia e dos investimentos produtivos.
O presidente quer uma redução substancial de tributos, particularmente sobre investimentos. Mas quer, também, manter a meta de 4,25% para o superávit primário do setor público. Desejos inconsistentes? Não necessariamente. Seria preciso, claro, reduzir os gastos públicos como proporção do PIB.
Que gastos? Não os investimentos públicos, que foram fortemente comprimidos nos últimos anos e devem, ao contrário, aumentar, particularmente em áreas prioritárias para o desenvolvimento como a infra-estrutura de energia e transportes (eletricidade, estradas, portos, aeroportos, segurança aérea etc.).
Gastos correntes? Depende. As despesas correntes não-financeiras aumentaram muito no governo FHC e no atual. Será certamente possível identificar, em diferentes pontos da administração pública, desperdícios, gastos de baixa prioridade, desvio de recursos e sobreposição de programas.
Não se deve esquecer, porém, que as despesas correntes não-financeiras incluem programas altamente prioritários. Gastos com educação e programas de transferência de renda vinculados à educação (Bolsa Família), classificados como gastos correntes, são na verdade investimentos de outro tipo, na formação de capital humano. O Bolsa Família é, também, um programa bastante bem-sucedido de distribuição de renda e de combate à pobreza. Além disso, há notória insuficiência de recursos em áreas vitais da máquina pública, como a segurança pública e a defesa das fronteiras, para citar apenas dois exemplos.
É uma ilusão, portanto, imaginar que se conseguirá abrir grande espaço para a desoneração tributária e a ampliação do investimento público com a diminuição do nível dos gastos correntes não-financeiros.
É no campo das despesas financeiras, impulsionadas pela extravagante política de juros do Banco Central, que se nota o maior e mais evidente desperdício do Estado brasileiro. A despesa com juros do setor público como um todo chega a R$ 158,7 bilhões, nada menos que 7,8% do PIB. A política monetária do Banco Central é o maior programa de concentração de renda do governo federal. Tira recursos do Orçamento para pagar gordos benefícios sob a forma de juros a uma minoria privilegiada de credores da dívida pública. Deprime o crescimento da demanda interna e provoca sobrevalorização cambial.
O comando do Banco Central é um dos grandes responsáveis pelo desequilíbrio das contas públicas e pelo baixo crescimento da economia. A forma mais eficaz de abrir espaço para a desoneração tributária e o aumento do investimento público é reduzir a taxa de juros e o custo da dívida pública, combinando a mudança na área monetária com um esforço de diminuição gradual dos gastos correntes não-financeiros como proporção do PIB.
Para isso, contudo, será preciso substituir o presidente e os principais diretores do Banco Central. Essa turma, como se sabe, tem costas quentes. Por isso repito a exortação: Presidente Lula, não fique no meio do caminho, não adote meias medidas! "Se ousares, ousa!"


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/ Elsevier, 2005).
E-mail: pnbjr@attglobal.net


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