São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Meirelles no Banco Central

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

O deputado federal eleito Henrique Meirelles, ex-presidente da Divisão Corporativa e Global do FleetBoston, é um bom nome para o Banco Central. Mas está longe de ser o melhor que poderia ser escolhido no momento.
Acredito que um presidente do Banco Central, sob a atual situação brasileira, precise exibir as seguintes características: (1) excelente formação técnica, particularmente no que se refere à operação de um regime de metas inflacionárias; (2) forte reputação como inimigo da inflação; (3) trânsito fácil na comunidade financeira; e (4) sua indicação deve indicar que a possibilidade de um Banco Central autônomo é real.
Meirelles, em minha interpretação, ainda não atende a todos esses requisitos. É verdade que, ex-executivo de um banco internacional importante, ele é percebido não só como pró-mercado (o que deve eliminar de vez as suspeitas restantes quanto a desrespeito aos contratos) mas, além disso, dispõe dos contatos certos com muita gente na comunidade financeira. Trata-se de vantagens que não devemos subestimar, mas, infelizmente, elas não bastam para a solução de todos os problemas que esperam o novo presidente do Banco Central.
O mais importante é a acentuada alta das expectativas inflacionárias que vem ocorrendo ao longo do último trimestre do ano, em parte como resposta à depreciação cambial dos meses precedentes, mas também em parte devido às incertezas quanto à manutenção do forte compromisso de combate à inflação, que era a marca registrada do governo FHC desde 1994. Aumentar as taxas de juros não basta para contrabalançar esse processo; a nomeação de alguém dotado de credenciais como ferrenho inimigo da inflação é outro elemento da equação.
Não quero dizer com isso que Meirelles seja flexível em relação à inflação. O que quero dizer é que sua atitude não é conhecida, e vai demorar algum tempo para que o mercado perceba suas verdadeiras intenções quanto a essa questão. Uma reputação, como sabemos, é difícil de construir e fácil de perder; ter alguém com uma reputação consolidada nesse campo tornaria a vida do Banco Central muito mais simples em termos das mensagens que seria preciso enviar ao mercado quanto ao combate à inflação.
Em outras palavras, se tudo o mais fosse igual, um presidente de banco central com credenciais impecáveis no combate à inflação poderia controlar as expectativas inflacionárias recorrendo a taxas de juros em média mais baixas do que as que terão de ser empregadas por um presidente que ainda está construindo sua reputação.
Além disso, o conhecimento técnico me parece um requisito essencial para o posto.
Nosso presidente eleito não dispõe desse conhecimento sobre economia, mas isso não atrapalha, porque ele pode depender de seu ministro da Fazenda, que tampouco não dispõe de treinamento formal, mas pode confiar em sua equipe, a qual... Vocês compreendem, acredito. Ter sucesso no comando de um banco não confere sucesso automático a alguém como dirigente de um banco central, embora haja exemplos de profissionais que realizaram essa transição.
Mesmo assim, se trata de desafios completamente diferentes, lamento dizer.
Uma vez mais, Meirelles pode se cercar de bons economistas nas posições essenciais do Banco Central, mas hoje em dia é preciso que, em determinadas ocasiões, o presidente de qualquer banco central decida entre diferentes opções, e conhecimento técnico é essencial nesses momentos. Significa que a definição do homem encarregado do comando da política econômica terá de esperar pela definição dos demais membros do conselho do Banco Central.
Tudo isso posto, o que me parece mais importante é determinar se a nomeação dele implica que podemos esperar que o Banco Central se comporte como se fosse autônomo, da mesma maneira que opera hoje sob o comando de Armínio Fraga. Talvez isso aconteça, mas o fato de Meirelles ter aceitado o posto não nos oferece informações sobre esse importante tema. É certo que o futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, declarou em sua recente visita aos Estados Unidos que o Banco Central teria "autonomia operacional", que eu entendo como o poder de determinar as políticas necessárias a atingir as metas determinadas pelo Executivo, mas que outras pessoas podem entender de maneira diferente.
Em outras palavras, Meirelles no Banco Central não transmite uma mensagem sobre a autonomia tão firme quanto a que seria transmitida por um nome como o de Pedro Bodin. No futuro, o novo governo talvez leve adiante a questão da autonomia, mas por enquanto o mercado manterá suspeitas a respeito.
No geral, como escrevi acima, não tenho nada contra o indicado, e é preciso reconhecer que ele pode vir a preencher todos os requisitos para o posto. Mas, até lá, ele provavelmente não desfrutará de uma lua-de-mel com os mercados semelhante à que outros candidatos poderiam obter. A batalha contra a inflação, portanto, provavelmente será mais difícil do que precisaria ser, em outras circunstâncias.


Alexandre Schwartsman é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e economista-chefe da BBA Corretora.


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