São Paulo, quinta-feira, 16 de dezembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Viva a Argentina!

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O título é uma provocação, apresso-me a explicar (hoje em dia, é preciso explicar tudo!). Bem sei que a Argentina ainda desperta antipatias no Brasil. São muitos os que tentam explorar essa antipatia para propósitos escusos (um dia alguém terá de escrever todo um tratado, de proporções enciclopédicas, sobre as atividades da quinta-coluna neste país).
A Argentina é extraordinariamente importante para o Brasil. Trata-se do nosso segundo maior parceiro comercial, que responde atualmente por 8% das exportações e 9% das importações brasileiras. Fala-se em "falência", "fracasso" e "esgotamento" do Mercosul. Há muito barulho contra as restrições impostas em 2004 pelo governo argentino às exportações de certos produtos brasileiros. Quem lê as manchetes de alguns órgãos de imprensa pode ser levado a pensar que o bloco sul-americano está na UTI. Pouco se comenta que o comércio intra-Mercosul tem mostrado muito dinamismo no passado recente.
Entre janeiro e novembro de 2004, em comparação a igual período de 2003, as exportações do Brasil para os demais países do Mercosul aumentaram 60%, quase o dobro da taxa de crescimento das exportações totais do Brasil. Nenhum dos outros blocos econômicos ou regiões do mundo registrou expansão comparável na importação de produtos brasileiros nesse período. Para a Argentina, o crescimento chega a 65%. Em 2003, as vendas brasileiras para a Argentina já haviam aumentado 95%.
Pergunto: não é impressionante o contraste entre esses dados e o noticiário recente? Não estamos reclamando de barriga cheia? O vigor das nossas exportações reflete a rapidez da recuperação da economia argentina, que saiu de uma crise profunda em 2001 e 2002 para alcançar taxas de crescimento de 9% em 2003 e de cerca de 7% em 2004, bem superiores às brasileiras.
Portanto as discordâncias comerciais entre o Brasil e a Argentina poderiam ser tratadas com um pouco mais de objetividade pela imprensa brasileira. Um crescimento do comércio tão rápido em tão pouco tempo provoca fatalmente tensões e disputas.
Vamos ser justos: os argumentos argentinos têm sua razão de ser. Nenhum país que se preza permite que setores importantes da sua economia sejam abalados por uma expansão desmedida das importações. Um processo de integração econômica precisa levar em conta as assimetrias e desigualdades estruturais entre os países participantes. Aliás, esse é exatamente o argumento que o Brasil usa nas negociações comerciais com os países desenvolvidos.
A Argentina tem sido uma aliada nessas negociações -outra razão para preservar boas relações com ela. Precisamos continuar trabalhando em sintonia com os argentinos na OMC, nos entendimentos com a União Européia e, sobretudo, na Alca. Todas essas negociações, que são altamente problemáticas, serão retomadas em 2005.
"Ojo!", como dizem os argentinos. São muitos -e muito influentes- os que não se conformam com o fato de a aliança Argentina-Brasil ter contribuído em 2003 e em 2004 para travar os acordos comerciais com os EUA e a União Européia. Os numerosos críticos tupiniquins da Argentina e do Mercosul, vários deles instalados dentro do governo brasileiro, não vão descansar. Os ruidosos "patriotas" que pedem endurecimento com o governo Kirchner têm freqüentemente uma agenda oculta.
Essa agenda tem quatro letras: Alca.


Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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