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São Paulo, sexta-feira, 17 de janeiro de 2003

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LUÍS NASSIF

A mudança na geopolítica mundial

Há mudanças fundamentais ocorrendo no panorama geopolítico global, com implicações profundas sobre as políticas econômica, comercial e diplomática brasileiras, e que aparentemente ainda não foram incorporadas às discussões.
O atentado terrorista de 11 de setembro foi um divisor de águas para o mundo. Desde a queda do Muro de Berlim (1989), os Estados Unidos haviam se consolidado como a única potência hegemônica mundial, maior potência econômica, e o dólar, como a grande moeda internacional.
De um lado, essa globalização financeira ajudou a ampliar a presença dos EUA no mundo. De outro, atraiu fluxos de poupança internacional, atrás de oportunidades de investimento nos EUA, ajudando a fechar suas contas externas e a financiar seu déficit público.
Segundo levantamentos do consultor André Araújo, de 1990 a 2000 -época de ouro dessa globalização financeira- os bancos e corporações americanas na América Latina remeteram para suas matrizes cerca de US$ 1 trilhão em lucros, juros e royalties. Além disso, cerca de US$ 900 bilhões de dinheiro frio foram remetidos para os EUA, paraísos fiscais e Europa pela elite política, financeira e empresarial latino-americana, acabando em grande parte nos EUA, único mercado financeiro capaz de absorver esses volumes.
No mesmo período cerca de 4.000 bancos, empresas de serviços públicos, de mineração, petróleo, de comércio e indústria foram adquiridas por bancos e corporações norte-americanas. O superávit comercial com a área cobriu 25% do déficit comercial com a Ásia e mais de 50% do déficit com a Europa. As taxas de retorno do capital americano na América Latina corresponderam de duas a três vezes o que obteriam nos EUA.
Como resultado dessa expansão do domínio americano já executada na área, as exportações latino-americanas, se excluídas as simples maquiagens, petróleo e minérios, caíram consideravelmente, em grande parte devido a restrições não-tarifárias.
O caso mexicano é emblemático, diz Araújo. Em muitos produtos o valor adicionado não chega a 3%. Para exportar US$ 165 bilhões ao ano, as "maquiladoras" (empresas que se mudaram para o México apenas para montar produtos) importaram US$ 159 bilhões, segundo estatísticas ainda a comprovar.
Os compromissos paralelos assumidos pelo governo norte-americano nos tratados que levaram ao Nafta não foram cumpridos, principalmente na regularização da imigração mexicana e alguns outros pontos de caráter emblemático forte, como o acesso de caminhões mexicanos e seus motoristas nas rodovias americanas -direito até agora negado, enquanto caminhões e motoristas americanos têm livre acesso ao México, diz Araújo.
Com o fim do sonho financeiro, a situação muda drasticamente. Depois do grande porre especulativo dos anos 90, o que se percebe é que os EUA são uma economia combalida, que não conseguirá mais financiar seus déficits externo e fiscal com investimento externo, obrigando a uma profunda mudança de rota ainda a ser entendida e analisada pelo Brasil.
Nesse contexto, há pessoas como o próprio Araújo que consideram que a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) será simplesmente um processo de anexação. Seja qual for a conclusão, esse novo quadro geopolítico obriga a uma reavaliação profunda de estratégia.

Réquiem
A venda da Tele Centro Oeste Celular para a BrasilCel é uma derrota para o país, e que demonstra à exaustão os erros dessa armadilha financeira na qual nos metemos.
A empresa foi adquirida por um grupo brasileiro, foi tocada com técnicos brasileiros. Em pouco tempo, se revelou a melhor companhia celular do país. O que faltava? Fôlego financeiro dos controladores brasileiros, que se endividaram para a sua aquisição.
A dívida chegava a R$ 1 bilhão. Não conseguiram financiamento, nem no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), dando ações como garantia.
A TCO tornou-se uma máquina de liquidez. Seu EBITDA em 2002 deve chegar a R$ 600 milhões, o lucro líquido a R$ 300 milhões. Para sobreviver, tentou a compra da Telemig Celular, uma composição com a Brasil Telecom. Nada prosperou.
A partir de ontem, por R$ 1,4 bilhão, deixou de ser de capital nacional.

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