São Paulo, sábado, 17 de janeiro de 2009

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ROBERTO RODRIGUES

A maior doação


Só dá para ser feliz se as coisas vão bem nas relações afetivas, no trabalho e na vida institucional


JÁ TRATEI nesta coluna de temas não-agrícolas e, algumas vezes, até das coisas da alma. Começo de ano é sempre tempo de reflexão, de assumir compromissos, de prometer melhorar... Por isso, também é hora de botar para fora algumas questões sem nenhuma vinculação com a economia rural.
Na verdade, tudo está muito misturado: o que todo mundo busca, conscientemente ou não, é a felicidade. Claro que, se a situação econômica ou financeira de um indivíduo é ruim, a felicidade vai para o buraco. Portanto não dá para tratar dos temas humanísticos sem ligar para o pragmatismo do dia-a-dia se as necessidades básicas não estiverem atendidas.
Mesmo assim, fui procurar no "Aurélio" o significado de felicidade e lá encontrei uma porção de informações: feliz é quem tem alegria de viver, prazer, satisfação, ventura, contentamento. Depois fui ver o que cada um desses verbetes representava. E acabei voltando a uma velha tese: só pode haver isso tudo se as coisas vão bem em três áreas -nas relações afetivas, no trabalho e na vida institucional (interação com organizações às quais as pessoas se associam ou de que participam).
Nas duas últimas -trabalho e institucionalidade-, prevalecem os interesses econômico, financeiro e material. E a luta cotidiana consiste se manter o equilíbrio nessas áreas.
Mas é nas relações afetivas que está a base da felicidade. Se vai tudo bem nas outras funções e a gente está mal com as pessoas amadas, nada fica bom.
Fui de novo ao "Aurélio" para entender melhor o que é amizade e amor, pelo menos etimologicamente, porque o resto a gente sabe porque sente. Amizade é o sentimento fiel de afeição, simpatia, estima ou ternura; implica entendimento e fraternidade. E cada um desses termos tem significados similares. Sempre achei que feliz é aquele que tem três amigos verdadeiros, uma fortuna. E que amizades definitivas se formam, via de regra, na juventude, quando os pares não sabem de onde vêm, quanto ganham e nem se interessam por isso: o afeto se dá no nível espiritual, não no material.
Mas, e o amor? Ah, é ainda mais que amizade: é o sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem; é dedicação, devoção. Acho que se pode resumir dizendo que quem ama se devota ao bem-estar do ser amado. Claro que tanto a amizade quanto o amor só triunfam se a base de ambos for feita de respeito e admiração recíproca. Nada destrói mais facilmente uma união -e também uma imagem- do que o desrespeito. Este dá origem a outros sentimentos amargos e trágicos.
Se em geral as amizades mais sólidas nascem na juventude desinteressada, o que se passa com o amor? Só é durável se criado na mocidade? Também não, de jeito nenhum. Só que é preciso ter juízo e clarividência para separar o amor da paixão, a chama da brasa. É preciso saber se doar, renunciar a privilégios. É preciso trocar o conforto dolorido da individualidade pela solidariedade.
Mas, fundamentalmente, é preciso abrir a intimidade para a amada. E é aqui que reside a grande magia. De acordo com o "Aurélio", íntimo vem da alma, do âmago; intimidade é afeição com confiança ilimitada.
Abre-se a alma à pessoa amada, entrega-se a ela, e esta é a maior doação. Nada é mais extraordinário do que a intimidade completa entre duas pessoas que se amam de verdade. E, quando o amor acaba, nada é mais triste do que não poder seguir compartilhando a própria alma.

ROBERTO RODRIGUES , 66, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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