São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2002

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LUÍS NASSIF

Didi, Vavá e Zizinho

Em pouco tempo morreram três lendas do futebol brasileiro: Zizinho, o grande capitão da Copa de 50, Didi, o comandante maior das Copas de 58 e 62, e Vavá, o imenso centroavante de 58. A bem da verdade, não tenho certeza se alguma vez assisti a Zizinho jogando, reconhecido por todos os que o viram jogar como o maior da história, depois de Pelé.
Digo não ter certeza porque certa vez, no início dos anos 60, uma seleção brasileira de veteranos se apresentou em Poços de Caldas. Mas acho que Zizinho não foi, porque todos os olhos se voltavam para Jair da Rosa Pinto, o Jajá, meio-campista companheiro de Zizinho na Copa de 50, canelas finas, emérito lançador, temível cobrador de faltas e ainda uma lenda viva.
Infelizmente, a televisão engatinhava, o Canal 100 de Carlos Niemayer ainda não tinha a expressão que veio adquirir depois, e ficamos sem as grandes cenas da geração anterior a 58. Portanto as lendas do esporte começaram a se firmar, mesmo, a partir da Copa de 58.
É inegável a importância do futebol na formação do caráter nacional e, especialmente, as chamadas cenas épicas, aquelas que se fixam no imaginário popular, que ajudam a superar complexos, a firmar a auto-estima. O símbolo máximo do moderno EUA é a foto dos soldados fincando a bandeira do país no monte de Ivo Jima, na Segunda Guerra. Para o Brasil, são as cenas inesquecíveis do futebol.
Em 58, as fotos com arrancadas e gols do centroavante Vavá, especialmente nos jogos contra a Rússia e a França, geravam arrepios de emoção. Parecia uma flecha em direção ao gol. Sempre admirei o estilo de outros centroavantes rompedores, como Silva, César, Roberto Dinamite, do imenso Careca. Mas os botes de Vavá eram inigualáveis.
Outro momento histórico foi a garra de Garrincha na Seleção de 62, assim como a garra e a cabeçada de Zito abrindo o placar no jogo final contra a Tchecoslováquia. A participação de Amarildo, substituindo Pelé e salvando o Brasil no jogo contra a Espanha, foi outro momento clássico de garra, desmentindo esse terrível sentimento da "fracassomania" que nos acompanha desde tempos imemoriais.
Foi do mesmo teor a participação de Almir, substituindo Pelé na histórica vitória do Santos sobre o Milan, lá pelo início dos anos 60, na conquista do bicampeonato de clubes. E a de Pelé na vitória do Santos sobre o Benfica de Eusébio, logo após o fracasso da seleção de 66, que foi humilhada por Portugal.
Outra cena que tocou fundo todo o país foi a arrancada e o gol do meio-campista Clodoaldo contra o Uruguai, na Copa de 70. Era a primeira vez que o Brasil enfrentava na Copa o inimigo que provocou o maior trauma da história do futebol brasileiro, nos derrotando na final da Copa de 50. No primeiro tempo, a seleção brasileira sentiu o peso da lenda e andou lenta, temerosa. Foram Clodoaldo e Everaldo, o lateral-esquerdo gaúcho, os que sustentaram a fibra da seleção e abriram espaço para a vitória e para o baile do segundo tempo. A participação de Romário na conquista da Copa de 94 foi outro momento heróico.
Mas as duas cenas que ajudaram a superar de vez o complexo de inferioridade do país foram de Didi. Em 1958, a seleção brasileira se concentrou para a Copa em Poços de Caldas.
Pelé ainda não explodira na Copa. O grande nome era Didi e sua "folha seca", o seu modo de bater faltas que fazia a bola subir e depois mudar a trajetória em pleno vôo e cair como uma folha no gol.
Seu maior momento, e o maior da história brasileira, foi na final, quando a Suécia inaugurou o placar. O país parou, lembrando-se da maldição do Maracanã (a derrota do Brasil em 50), estarrecido, tremendo como se tomado de febre malsã. A maldição do Maracanã parecia de volta para sempre. Calmamente, Didi foi até o fundo do gol, pegou a bola, colocou debaixo dos braços -como se coloca um fuzil- e caminhou firme até o meio do campo, acalmando os companheiros. A partir daí a bola rolou como nunca antes havia rolado. Pela primeira vez na história, a "fracassomania" era derrotada e o país perdia o medo de ser campeão. Não julguem ser exagero, mas diria que aquela cena marcou o início oficial do Brasil moderno, do país que perdia gradativamente o medo de ser campeão, que passava a superar a "fracassomania", abrindo espaço para o sentimento de modernização que marcou os anos seguintes e que mudariam para sempre a cara do país.


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