São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2002

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SEM CASTIGO

Conflito entre o Banco Central e o Ministério Público na comunicação dos casos contribui para a impunidade

Só 5% dos crimes financeiros são punidos

Sérgio Lima - 16.jan.02
A diretora de Fiscalização do Banco Central, Tereza Grossi


DA REPORTAGEM LOCAL

O Banco Central tem a obrigação de fiscalizar o sistema financeiro. Já a Justiça deve julgar e, eventualmente, punir os culpados por crimes financeiros. Os desentendimentos entre as duas instituições, no entanto, acabam, contraditoriamente, contribuindo para a impunidade nessa área.
Dados levantados pelo BC mostram que, dos 1.591 processos que investigam indícios de crimes financeiros, 827 (mais de 50% do total) já foram arquivados pelo Ministério Público ou pelo Judiciário. Outros 5% dos casos terminaram em absolvição dos envolvidos. Apenas 5% dos processos levaram à condenação. E outros 578 casos viraram denúncia e ainda estão tramitando na Justiça.
Esses resultados também são motivo de troca de farpas entre o BC e o Ministério Público. Os procuradores acusam o Banco Central de ser lento na comunicação dos crimes.
"Na maioria das vezes, recebemos do BC ofícios comunicando crimes que são tão antigos que já estão prescritos e a sensação que temos é de estarmos contemplando uma estrela que já morreu", afirma Bruno Caiado, procurador do Ministério Público no Rio.
Segundo Adaílton Ramos do Nascimento, procurador responsável pelo núcleo criminal do Ministério Público em Minas, 80% dos casos de crimes financeiros comunicados pelo BC em 2000 já estavam prescritos pela lei quando foram recebidos. "Há notificações que recebemos em 2000 que eram referentes a casos ocorridos em 1982, 1983", diz Nascimento.
A Procuradoria Geral do BC admite já ter mandado ofícios com crimes que estavam perto da prescrição, mas garante que o percentual não é tão expressivo quanto indica o dado da procuradoria federal em Minas. Além disso, segundo a Procuradoria do BC, a responsabilidade pelo atraso na comunicação é do departamento de fiscalização.
Cerca de 80% dos 8.218 casos comunicados pelo BC ao Ministério Público desde 1966 estão concentrados nos últimos seis anos. A diretora do Departamento de Fiscalização do BC, Tereza Grossi, garante que a instituição está mais eficiente. Mas diz também que o grande número de ofícios enviados em espaço tão curto de tempo se deveu a uma mudança da legislação, que reduziu os prazos para a prescrição dos processos administrativos instaurados pelo BC.
"Tivemos que correr porque senão muita coisa ia prescrever, mas, independentemente disso, fizemos muitas mudanças no departamento e estamos mais ágeis", diz Tereza.
Outra queixa dos procuradores se refere à qualidade dos dados enviados pelo BC. "Frequentemente, temos de pedir complementação de informações ao BC porque os dados que nos enviam são incompletos", diz a procuradora Denise Abade, de São Paulo.
O BC rebate essas críticas. "No passado pode ter sido verdade, mas hoje temos de mandar a cópia inteira dos nossos processos administrativos para o Ministério Público", afirma Tereza Grossi.
"Além disso, o Banco Central não tem como objetivo principal apurar crimes (...). A investigação é com o Ministério Público e com o Judiciário. O juiz pode quebrar o sigilo bancário de qualquer pessoa", diz a diretora do BC.

Legislação atrapalha
A própria legislação é considerada um calcanhar-de-aquiles dos processos sobre crimes financeiros que tramitam na Justiça. "A legislação nessa área é propositalmente falha, os acusados conseguem com facilidade entrar com ação para pedir cancelamento da ação penal", diz Denise.
"Além disso, crime do colarinho branco não é considerado tão grave no Brasil, apesar dos enormes prejuízos que causa aos cofres públicos."
A complexidade das operações financeiras hoje também contribui para a impunidade. "Um argumento frequente dos envolvidos é que "aquela operação era prática comum do mercado" e a Justiça geralmente aceita." (EF)



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