São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

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COMENTÁRIO

Falta flexibilidade à política monetária

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um terço da inflação brasileira está longe do alcance das elevações de juros decididas pelo Banco Central. O Copom pode elevar a Selic a 40% -ontem a taxa básica foi elevada para 18,75%- e ainda assim os preços administrados, ou reajustados por contratos, subirão aproximadamente 7%.
Não há martelada de juros que faça caírem os preços que, por contrato, são reajustados de acordo com a inflação passada. No ano passado, quando a inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) foi de 7,6%, esses preços subiram nada menos do que 10,2%, enquanto os preços livres subiram 6,5%.
A política monetária só consegue atuar sobre os preços livres, que sobem ou descem dependendo das condições de custo e do aquecimento da economia. Quanto maior o crescimento, maior a procura por bens e, por conta disso, maior a pressão por aumentos nos preços.
A procura por serviços indexados por contrato não tem nenhum efeito sobre os seus preços. A tarifa de energia elétrica é a mesma, não importa se a economia cresce ou está em recessão. Uma vez por ano ela será reajustada e, ainda que haja uma crise geral, os preços vão subir.
Como os juros contêm os preços? Indiretamente, por meio dos efeitos da política monetária no nível de atividade da economia. Os juros sobem, os financiamentos e créditos aos produtores e consumidores vão ficando mais caros, os empresários pensam duas vezes em investir e os consumidores acabam contraindo os gastos. De forma geral, a economia passa a crescer mais devagar. Cedo ou tarde os empresários ajustarão os preços de seus produtos e serviços às novas condições de procura, agora mais fraca, e a inflação baixa ou se estabiliza.
Qual o problema com os preços indexados? O governo brasileiro definiu como meta de inflação a taxa cheia, ou seja, o BC deve garantir que o IPCA fique em 5,1%, independentemente dos preços administrados. Como eles vão subir 7%, não importa o que aconteça com a taxa de crescimento da economia, resta ao BC martelar os demais preços, reduzindo ainda mais a atividade econômica.
Na prática, os preços livres têm que cair ou subir bem menos para compensar o peso dos reajustes de tarifas e outros preços indexados à inflação passada. Um erro? Se for, não é do BC, do qual espera-se apenas que cumpra uma meta preestabelecida. Vários analistas chamaram a atenção para o problema. Há soluções, como, por exemplo, adotar núcleos de inflação, excluindo os preços administrados. O governo não mostrou-se disposto a discuti-los.
Neste ano, a equipe do BC mostra-se inflexível em cumprir o centro de uma meta que já foi ajustada para 5,1%. Beira a uma decisão cabalística, já que, do ponto de vista da estabilidade monetária, faria pouca diferença fechar este ano com inflação de 5,5% ou 4,5%. Afinal, 2004 foi um ano difícil desse ponto de vista -basta lembrar dos choques de preços de petróleo e do salto do câmbio, que começou o ano em R$ 2,85 e, em junho, já estava em R$ 3,13. Baixar a taxa de inflação de 7,6% (resultado fechado de 2004) para algo em torno de 5,5% neste ano não faria ninguém argumentar que o Brasil abandonou a estabilidade.
Não são poucos os analistas e empresários que apontam falta de flexibilidade do BC. Olhar com mais cuidado para os preços administrados fosse talvez um primeiro passo para tornar a política monetária mais adequada à realidade brasileira.


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