São Paulo, Quarta-feira, 17 de Fevereiro de 1999
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Oscilação sugere ações especulativas

do colunista da Folha

Entre o início de janeiro, antes da desvalorização do real, e o dia 2 de fevereiro, quando o economista Armínio Fraga foi indicado para a presidência do Banco Central, os papéis da dívida externa brasileira passaram por oscilações que sugerem a ocorrência de uma manobra especulativa. Eles perderam 13% do seu valor entre os dias 20 e 25. No dia da indicação de Fraga, praticamente voltaram ao ponto de onde tinham caído. Quem os comprou na baixa e vendeu na alta ganhou, em sete dias úteis, na média, algo mais do que 5% do que investiu.
Segundo o professor Paul Krugman, esse "quem" se chama George Soros, o banqueiro em cuja casa trabalhava o economista Armínio Fraga, até ser escolhido para presidir o BC.
Além dos boatos do mercado, não se conhece registro, muito menos o volume, de operações de Soros com papéis brasileiros naqueles dias. Mesmo que o tivesse feito, é impossível que tenha sido o único.
Os papéis da dívida brasileira, entre os quais o mais conhecido é o C-bond, são títulos resgatáveis em 20 anos. Pagam três vezes mais juros que os papéis do governo americano, mas são trocados num mercado paralelo. Quando se acredita que a economia de um país vai bem, eles sobem, aproximando-se do valor de face. Se os riscos aumentam, caem.
Assim, neste ano pôde-se comprar US$ 1 milhão em títulos da dívida brasileira, tanto por US$ 600 mil quanto por US$ 500 mil. Dependeu do clima.
No dia 20 de janeiro, eles valiam 58,75%. Na segunda-feira, 25, caíram para 50,25%. Entre os motivos dessa queda estava o murmúrio de que o governo brasileiro calotearia a dívida. O boletim de uma companhia subsidiária do banco Chase publicara um artigo sugerindo medidas muito próximas ao que foi o Plano Collor.
Segundo Krugman, Soros comprou esses papéis na semana que foi de 25 a 29 de janeiro. Nela, o presidente argentino Carlos Menem defendeu o calote da dívida interna brasileira e o presidente Fernando Henrique Cardoso denunciou a ação de especuladores em duas ocasiões diferentes.
Um banco americano, o Salomon Smith Barney, previu que nos próximos meses o dólar ficaria entre R$ 2,25 e R$ 2,50. A fuga de capitais esteve em torno de US$ 200 milhões por dia. Na terça-feira, dia 26, quando Armínio Fraga jantou no Palácio da Alvorada, haviam saído US$ 339 milhões. A moeda americana chegou a valer R$ 2,10.
Na sexta-feira, quando a semana terminou, o Brasil passara por um dos seus maiores pânicos financeiros. Diante dos boatos de que o governo decretaria um feriado bancário e começaria a semana seguinte confiscando a poupança nacional, dezenas de milhares de pessoas sacaram seus investimentos. Os correntistas da agência do Banco do Brasil no Senado Federal sacaram perto de R$ 4 milhões, quando o movimento rotineiro é de R$ 500 mil.
Quem estava disposto a apostar contra os maus sinais, acreditando que o governo não calotearia a dívida, tinha uma oportunidade de negócio em Nova York.
Krugman diz que Soros fez isso. Quem vendeu na segunda-feira seguinte ao pânico conseguiu 58% do valor de face de uma papel que valera pouco mais de 50%.
Se algum grande investidor fez esse jogo, é provável que tenha manipulado quantias da ordem de US$ 100 milhões (exagerando, 200), isso porque é difícil comprar quantidades maiores sem provocar uma alta sensível do preço do papel. Quem jogou US$ 100 milhões ganhou, na média, em torno de US$ 5 milhões. Mesmo num mercado bilionário e globalizado, semelhante proeza, em sete dias, é coisa de craque.
A oscilação das cotações permite supor que houve gente comprando ao longo da semana e vendendo depois da indicação de Fraga, mas isso não significa que esse movimento tenha sido necessariamente impulsionado por informações privilegiadas. Cumpriu-se um velho mandamento do mercado: "Compre no boato e venda no fato". (EG)



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