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OPINIÃO ECONÔMICA
Os custos de uma política econômica equivocada
JOSÉ MATIAS PEREIRA
Verifica-se , num mundo
globalizado, que os países
em desenvolvimento são obrigados a acompanhar as orientações
que resultam de decisões dos países desenvolvidos, especialmente
do grupo dos sete mais ricos (G-7), as quais não se adaptam necessariamente às condições e aos interesses dos menos desenvolvidos. As perspectivas de um aumento na instabilidade econômica global, agravada pelas ameaças
de uma guerra dos EUA com o
Iraque -que poderia reduzir de
0,5% a 1,5% o crescimento da economia mundial em 2003-, colaborariam para aumentar essas desigualdades no mundo (FMI,
2003).
Nesse cenário, a tendência é que
os países desenvolvidos, especialmente os integrantes dos grandes
blocos econômicos, como os da
União Européia e o Nafta (Tratado de Livre Comércio da América
do Norte), reforcem os seus mecanismos protecionistas, a fim de
conter as exportações oriundas
dos países em desenvolvimento
(OMC, 2003).
A queda no comércio internacional acirra a competição e gera
pressões para que os diversos setores produtivos desses países peçam a seus governos políticas de
proteção contra a concorrência
do exterior. Com menos contratos de vendas, a luta pelos mercados se intensificará de maneira
brutal, o que obrigará os países
desenvolvidos a adotar medidas
econômicas e políticas desfavoráveis aos países em desenvolvimento, para proteger os seus segmentos econômicos menos competitivos.
Se a crise econômica e política
mundial se prolongar, será usada
como justificativa por parte dos
países ricos para que adotem medidas protecionistas, seja por
meio de barreiras alfandegárias
-elevação de impostos de importação e de restrições fitossanitárias-, seja pela elevação dos
subsídios na produção de seus
produtos agrícolas. Fica evidenciado, portanto, que as perspectivas de instabilidade no cenário
mundial afetam sobremaneira os
países em desenvolvimento, que
enfrentarão crescentes dificuldades e restrições impostas pelos
países desenvolvidos -o que irá
exigir enormes sacrifícios de suas
populações.
Diante desse quadro preocupante, podem-se formular as seguintes perguntas: a política econômica do governo Lula está
equivocada? O governo Lula também é refém da política econômica adotada por Malan-FHC, por
recomendação do FMI? A resposta deve ser focada na inserção do
Brasil no processo de globalização
econômica, nos últimos anos, por
meio de políticas de liberação
cambial, comercial, financeira e
produtiva. Essa política econômica contribuiu para o agravamento
da vulnerabilidade externa e criou
uma trajetória de instabilidade e
crise no país.
A política econômica do governo Lula -que nada difere da adotada no governo FHC (especialmente no período 1999-2002)-
continua priorizando a política de
estabilidade da economia. Nesse
sentido, o atual governo eleva os
juros e o corte do crédito, além de
vender títulos da dívida pública
indexados ao câmbio, o que aumenta os juros pagos aos credores
do país. Este é obrigado a cortar as
demais despesas.
A adoção desse modelo econômico inadequado, que obrigou os
dirigentes da área econômica do
governo brasileiro a propor um
temerário aumento do superávit
primário das contas públicas em
2003 para 4,25% do PIB, tem como objetivos impedir que a dívida
pública cresça; dar tranquilidade
ao mercado e diminuir a pressão
sobre o câmbio.
Registre-se que a dívida do governo no mercado -interno e externo- poderá atingir R$ 1 trilhão no final de 2003. Essa orientação de elevar o superávit primário -que agradou ao mercado financeiro, bem como ao FMI-,
entretanto, necessita ser avaliada
com maior profundidade, considerando que a questão da fragilidade da economia brasileira não
reside apenas na área fiscal, mas
especialmente na área cambial. A
desestabilização macroeconômica do Brasil fica evidenciada
quando analisamos as contas do
balanço de pagamentos, visto que
estas são liquidáveis apenas em
dólares. O déficit da conta de
transações correntes situou-se no
final de 2002 na ordem de US$ 7,7
bilhões (BC, 2003).
Por sua vez, as dívidas do setor
público interno, em princípio, são
menos preocupantes, à medida
que podem ser liquidadas em
reais. Assim, torna-se imprescindível a redução da vulnerabilidade externa da economia. Sem essas medidas, não é possível orientar adequadamente a política econômica para a retomada do processo de crescimento.
Cabe aqui uma recomendação
aos estudantes e economistas
mais jovens: a visão de que a economia brasileira pode ser comparada a um organismo vivo que necessita apenas de vacinas, ou seja,
o ajustamento das contas públicas
de forma sustentável, para resistir
aos choques externos, é uma percepção inadequada e simplista.
Operar as infinitas variáveis de
uma economia complexa como a
nossa vai muito além de um "orçamento público saudável e ajustado às suas obrigações previstas". Contas públicas ajustadas
não evitaram que diversos países
em desenvolvimento sofressem
graves crises cambiais, como, por
exemplo, o México, em 1994/1995,
e alguns países asiáticos, como a
Coréia do Sul, Tailândia e a Indonésia, em 1997. Uma política econômica adequada deve ser orientada tanto para o controle da política fiscal como da política cambial, que permita diminuir a vulnerabilidade externa do país. Isso
exigirá dos responsáveis pela condução da economia um profundo
conhecimento de ciência econômica, experiência profissional,
habilidade política e de gestão,
bom senso e, acima de tudo, muita sorte, para que o cenário econômico mundial não se apresente
desfavorável aos interesses do
país.
Mesmo diante das incertezas
provocadas pela crise em nível
mundial -que historicamente
costuma trazer embutida em seu
bojo uma força criativa-, é necessário que o governo Lula, que
afirmou ter sido eleito para mudar o Brasil, inicie o processo de
reformulação da atual política
econômica, que vem sendo implementada apenas com ajustes
macroeconômicos pontuais.
Para promover a retomada do
crescimento econômico com geração de emprego, distribuição de
renda e inclusão social (Lula,
2003), é preciso que o governo
promova mudanças no modelo
econômico -que se encontra esgotado-, orientando medidas de
política econômica criativas e inovadoras que priorizem, além da
reorganização das finanças públicas, a geração de estímulos ao setor exportador e o fortalecimento
do mercado e da poupança interna, buscando, assim, reduzir a dependência excessiva de recursos
externos, que vem submetendo o
país nas últimas décadas ao humor dos investidores internacionais.
É importante reiterar que o processo de consolidação da democracia brasileira dependerá não só
de sua estrutura institucional e da
ideologia das principais forças
políticas mas também do desempenho da economia em níveis
adequados nesta primeira década
do século 21.
José Matias Pereira é economista e advogado e doutor em ciência política
(UCM-Espanha). É professor de finanças
públicas e coordenador do Programa de
Pós-Graduação em Administração da
Universidade de Brasília. Autor de "Finanças Públicas: A Política Orçamentária
no Brasil", 2ª edição (editora Atlas), São
Paulo, 2003; e "Economia Brasileira",
(editora Atlas), São Paulo, 2003.
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