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São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Os custos de uma política econômica equivocada

JOSÉ MATIAS PEREIRA

Verifica-se , num mundo globalizado, que os países em desenvolvimento são obrigados a acompanhar as orientações que resultam de decisões dos países desenvolvidos, especialmente do grupo dos sete mais ricos (G-7), as quais não se adaptam necessariamente às condições e aos interesses dos menos desenvolvidos. As perspectivas de um aumento na instabilidade econômica global, agravada pelas ameaças de uma guerra dos EUA com o Iraque -que poderia reduzir de 0,5% a 1,5% o crescimento da economia mundial em 2003-, colaborariam para aumentar essas desigualdades no mundo (FMI, 2003).
Nesse cenário, a tendência é que os países desenvolvidos, especialmente os integrantes dos grandes blocos econômicos, como os da União Européia e o Nafta (Tratado de Livre Comércio da América do Norte), reforcem os seus mecanismos protecionistas, a fim de conter as exportações oriundas dos países em desenvolvimento (OMC, 2003).
A queda no comércio internacional acirra a competição e gera pressões para que os diversos setores produtivos desses países peçam a seus governos políticas de proteção contra a concorrência do exterior. Com menos contratos de vendas, a luta pelos mercados se intensificará de maneira brutal, o que obrigará os países desenvolvidos a adotar medidas econômicas e políticas desfavoráveis aos países em desenvolvimento, para proteger os seus segmentos econômicos menos competitivos.
Se a crise econômica e política mundial se prolongar, será usada como justificativa por parte dos países ricos para que adotem medidas protecionistas, seja por meio de barreiras alfandegárias -elevação de impostos de importação e de restrições fitossanitárias-, seja pela elevação dos subsídios na produção de seus produtos agrícolas. Fica evidenciado, portanto, que as perspectivas de instabilidade no cenário mundial afetam sobremaneira os países em desenvolvimento, que enfrentarão crescentes dificuldades e restrições impostas pelos países desenvolvidos -o que irá exigir enormes sacrifícios de suas populações.
Diante desse quadro preocupante, podem-se formular as seguintes perguntas: a política econômica do governo Lula está equivocada? O governo Lula também é refém da política econômica adotada por Malan-FHC, por recomendação do FMI? A resposta deve ser focada na inserção do Brasil no processo de globalização econômica, nos últimos anos, por meio de políticas de liberação cambial, comercial, financeira e produtiva. Essa política econômica contribuiu para o agravamento da vulnerabilidade externa e criou uma trajetória de instabilidade e crise no país.
A política econômica do governo Lula -que nada difere da adotada no governo FHC (especialmente no período 1999-2002)- continua priorizando a política de estabilidade da economia. Nesse sentido, o atual governo eleva os juros e o corte do crédito, além de vender títulos da dívida pública indexados ao câmbio, o que aumenta os juros pagos aos credores do país. Este é obrigado a cortar as demais despesas.
A adoção desse modelo econômico inadequado, que obrigou os dirigentes da área econômica do governo brasileiro a propor um temerário aumento do superávit primário das contas públicas em 2003 para 4,25% do PIB, tem como objetivos impedir que a dívida pública cresça; dar tranquilidade ao mercado e diminuir a pressão sobre o câmbio.
Registre-se que a dívida do governo no mercado -interno e externo- poderá atingir R$ 1 trilhão no final de 2003. Essa orientação de elevar o superávit primário -que agradou ao mercado financeiro, bem como ao FMI-, entretanto, necessita ser avaliada com maior profundidade, considerando que a questão da fragilidade da economia brasileira não reside apenas na área fiscal, mas especialmente na área cambial. A desestabilização macroeconômica do Brasil fica evidenciada quando analisamos as contas do balanço de pagamentos, visto que estas são liquidáveis apenas em dólares. O déficit da conta de transações correntes situou-se no final de 2002 na ordem de US$ 7,7 bilhões (BC, 2003).
Por sua vez, as dívidas do setor público interno, em princípio, são menos preocupantes, à medida que podem ser liquidadas em reais. Assim, torna-se imprescindível a redução da vulnerabilidade externa da economia. Sem essas medidas, não é possível orientar adequadamente a política econômica para a retomada do processo de crescimento.
Cabe aqui uma recomendação aos estudantes e economistas mais jovens: a visão de que a economia brasileira pode ser comparada a um organismo vivo que necessita apenas de vacinas, ou seja, o ajustamento das contas públicas de forma sustentável, para resistir aos choques externos, é uma percepção inadequada e simplista.
Operar as infinitas variáveis de uma economia complexa como a nossa vai muito além de um "orçamento público saudável e ajustado às suas obrigações previstas". Contas públicas ajustadas não evitaram que diversos países em desenvolvimento sofressem graves crises cambiais, como, por exemplo, o México, em 1994/1995, e alguns países asiáticos, como a Coréia do Sul, Tailândia e a Indonésia, em 1997. Uma política econômica adequada deve ser orientada tanto para o controle da política fiscal como da política cambial, que permita diminuir a vulnerabilidade externa do país. Isso exigirá dos responsáveis pela condução da economia um profundo conhecimento de ciência econômica, experiência profissional, habilidade política e de gestão, bom senso e, acima de tudo, muita sorte, para que o cenário econômico mundial não se apresente desfavorável aos interesses do país.
Mesmo diante das incertezas provocadas pela crise em nível mundial -que historicamente costuma trazer embutida em seu bojo uma força criativa-, é necessário que o governo Lula, que afirmou ter sido eleito para mudar o Brasil, inicie o processo de reformulação da atual política econômica, que vem sendo implementada apenas com ajustes macroeconômicos pontuais.
Para promover a retomada do crescimento econômico com geração de emprego, distribuição de renda e inclusão social (Lula, 2003), é preciso que o governo promova mudanças no modelo econômico -que se encontra esgotado-, orientando medidas de política econômica criativas e inovadoras que priorizem, além da reorganização das finanças públicas, a geração de estímulos ao setor exportador e o fortalecimento do mercado e da poupança interna, buscando, assim, reduzir a dependência excessiva de recursos externos, que vem submetendo o país nas últimas décadas ao humor dos investidores internacionais.
É importante reiterar que o processo de consolidação da democracia brasileira dependerá não só de sua estrutura institucional e da ideologia das principais forças políticas mas também do desempenho da economia em níveis adequados nesta primeira década do século 21.


José Matias Pereira é economista e advogado e doutor em ciência política (UCM-Espanha). É professor de finanças públicas e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Brasília. Autor de "Finanças Públicas: A Política Orçamentária no Brasil", 2ª edição (editora Atlas), São Paulo, 2003; e "Economia Brasileira", (editora Atlas), São Paulo, 2003.


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