São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2008

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Morre em SP fundador do Grupo Pão de Açúcar

Valentim dos Santos Diniz criou empresa a partir de doceria aberta em 1948

Nascido em Portugal, Diniz tinha 94 anos e chegou ao Brasil aos 16; Pão de Açúcar é a segunda maior rede varejista do país

Leonardo Wen - 20.jul.06/Folha Imagem
O empresário Valentim dos Santos Diniz, fundador do Grupo Pão de Açúcar; rede varejista é a segunda maior do país


CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Morreu ontem em São Paulo, aos 94 anos, Valentim dos Santos Diniz. Um dos maiores empreendedores do país, "seu" Santos, como era conhecido, foi o fundador do Pão de Açúcar. O grupo é a segunda maior rede varejista do país e faturou R$ 17,6 bilhões no ano passado.
Internado no Hospital Albert Einstein desde 7 de janeiro, Diniz morreu de falência múltipla dos órgãos. O sepultamento será hoje, às 12h, no cemitério São Paulo, no bairro de Pinheiros (zona oeste da capital paulista).
A insatisfação foi uma das marcas de "seu" Santos, a começar pela saída de Pomares do Jarmelo, em Portugal. Na aldeia empobrecida, cuja única opção de sustento era a lavoura, ele percebeu que a alternativa seria emigrar.
"Ou o senhor me deixa ir ao Brasil ou vou ser caixeiro na cidade do Porto", afirmou ao pai ainda em sua aldeia natal, aos 16 anos de idade. Como muitos patrícios, cruzou o Atlântico.
O Grupo Pão de Açúcar emprega 63,7 mil pessoas, que trabalham em 575 lojas das marcas Pão de Açúcar, Extra, CompreBem, Sendas e Assai. Foi também a primeira rede varejista brasileira a ter ações listadas na Bolsa de Nova York.
O império varejista recebeu esse nome graças à primeira visão que Diniz teve do Brasil. No convés do navio, na noite de 25 de novembro de 1929, o empresário, que viajava identificado como operário, viu ao longe o contorno da baía da Guanabara. "Olha o Pão de Açúcar!", exclamou outro português. Foi o nome de batismo de sua primeira doceria, criada em 1948.
Ao chegar a São Paulo, 19 anos antes, Diniz empregou-se como balconista no empório Real Barateiro. Sete anos depois, já havia juntado economias para casar-se com Floripes Pires, filha de imigrantes como ele, e passar de comerciário a pequeno comerciante.
Foi também, como muitos de seus patrícios, dono de padaria. Mas a insatisfação mais uma vez marcou sua virada. Como as margens do pequeno comércio eram ínfimas, resolveu prestar serviços para a emergente classe média alta. Em 1946, comprou duas casas na avenida Brigadeiro Luís Antônio, que transformou após dois anos na Doceira Pão de Açúcar.
Além do tradicional chá da tarde, a doceria seria uma das primeiras da cidade a vender serviços completos de bufê.
Naquela época, o primogênito de Diniz, o adolescente Abilio, já mostrava tino para os negócios: tomou a iniciativa de buscar em cartórios e proclamas de igreja nomes, endereços e datas de batizados e casamentos e oferecia os salgadinhos e doces da Pão de Açúcar. Também cabia a Abilio a entrega das encomendas.
Até o início da década de 1950, a mão-de-obra barata e a tradição obrigavam o varejo a ter balconista no atendimento aos fregueses. Mas o surgimento dos primeiros supermercados, como Sirva-se e Peg & Pag, indicava mudança: o modelo americano começava a substituir o da tradição brasileira.
Novamente insatisfeito com o potencial de crescimento da doceria, Diniz -agora acompanhado de Abilio- corretamente previu a tendência. Investiu então, ao lado da doceria, em 1959, na primeira loja da rede Pão de Açúcar.
Na década de 1960, a expansão foi rápida. Depois de comprar a rede Sirva-se, em 1965, que dobrou a empresa, Diniz despachou Abilio para cursos nos EUA e para contatos com executivos das grandes redes de lá e da França, inclusive com a que seria sua principal competidora no Brasil, o Carrefour.
Nos anos 70, aconteceu um dos grandes marcos do setor, com a incorporação da Eletroradiobraz, que tinha por logotipo uma baleia. Como o grupo já tinha o Jumbo, cujo símbolo era um elefante, uma campanha marcante da época mostrou o casamento do elefante com a baleia.
Foi também nessa época que os outros dois filhos de "seu" Santos, Alcides e Arnaldo, entraram no grupo. No fim dos anos 80, no entanto, a expansão desenfreada, crises econômicas e uma grave crise familiar quase acabaram com o grupo.
Apesar de Abilio ter se preparado para sucedê-lo no grupo, as disputas pela sucessão foram gravíssimas. ""Seu" Santos soube enfrentar a crise com serenidade e paciência necessárias", escreveu Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-diretor do grupo, na biografia de Valentim Diniz -"Meu Pão com Açúcar". "Meu papel foi intermediar a solução da crise, dividindo o patrimônio eqüitativamente entre os herdeiros."
Dos seis herdeiros, só Abilio e Lucília se manteriam na empresa. Dificuldades financeiras do grupo agravariam tensões entre os remanescentes da família, enquanto Abilio e sua filha Ana Maria tentavam salvar o Pão de Açúcar, que não encontrou compradores no início dos anos 1990. O seqüestro de Abilio, no fim de 1989, foi outro marco dos anos negros do grupo. "Seu" Santos e dona Floripes passaram 35 dias rezando.
Cortes e demissões depois, o grupo conseguiu se reerguer aos poucos. No auge da crise familiar, Abilio tentou vender a rede por US$ 200 milhões. Não encontrou um comprador sequer. Em 1999, vendeu parte do grupo para o francês Casino e, em 2005, 50% do controle, por US$ 860 milhões. A rede que "seu" Santos começou numa doceria na Brigadeiro Luiz Antônio vale hoje US$ 3 bilhões.


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