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ANÁLISE
Juros baixos alimentam o vício da especulação
DO "FINANCIAL TIMES"
Os mercados financeiros
estão em um momento de
vacilação. Nos primeiros meses
do ano, entraram no negócio da
reflação, acreditando que a retomada do crescimento econômico
nos EUA reforçaria os lucros das
empresas. Com isso, estavam satisfeitos em comprar ações.
Mas, do começo de março para
cá, o consenso parece ter alterado
três vezes. Primeiro, a combinação de indicadores inferiores às
expectativas e os ataques terroristas em Madri causaram uma fuga
dos ativos de risco. A seguir, os
números superiores aos esperados para as folhas de pagamentos
geraram um retorno ao negócio
da reflação. Mas, ao longo da semana, uma alta nas vendas do varejo e da inflação no varejo levou
os investidores a se preocupar
com a possibilidade de que a economia norte-americana esteja
crescendo rápido demais, o que
poderia levar o Federal Reserve
(banco central) a se sentir tentado
a elevar os juros ainda neste ano.
Um aumento dessas taxas já está embutido nas cotações dos
mercados futuros. As ações recuaram, e os rendimentos dos títulos públicos tiveram alta.
A taxa de juros de 1% vigente
nos EUA criou uma oportunidade dourada de especulação para
os fundos de hedge e para os operadores de bancos de investimento. Em sua forma mais simples,
essa especulação consiste em tomar empréstimos de curto prazo
e investir no mercado de títulos.
Mas os operadores também apostam em títulos de rendimento
mais elevado, ações de tecnologia
e commodities, além de vender
dólares e adquirir euros e ienes.
Essas operações presumem um
retorno à economia de contos de
fadas dos anos 90, quando a situação era positiva o suficiente para
permitir alta nos lucros sem estimular a inflação. Quando esse róseo cenário é ameaçado, seja por
crescimento mais lento ou juros
mais altos, os operadores se vêem
forçados a mudar essas apostas.
Nos últimos dias, surgiram revezes acentuados para algumas
estratégias, com o dólar subitamente ganhando força diante do
iene e o ouro caindo. O movimento provavelmente mais significativo, no entanto, foi a alta no rendimento dos títulos de dez anos do
Tesouro americano, de 3,7% para
4,4%, em apenas um mês.
Em nível macroeconômico, toda essa instabilidade talvez não
pareça importar. Afinal, tanto as
ações quanto os rendimentos dos
papéis do Tesouro dos EUA estão
mais ou menos no mesmo ponto
que ocupavam no começo do
ano. Mas o perigo é que essas súbitas viradas terminem por apanhar os bancos despreparados,
em um momento em que os lucros do setor financeiro respondem por cerca de 30% do volume
total de lucros nos EUA.
Isso cria um dilema para as autoridades. Manter baixas as taxas
de juros de curto prazo ajuda a reviver a economia. Mas isso aumenta o risco de que, quando as
taxas de juros tiverem enfim de
subir, o choque para o sistema financeiro e o resto da economia
seja severo. No entanto, um aperto rápido demais da política monetária pode tirar dos trilhos a
economia americana, e com ela a
mundial, caso não haja ímpeto
para sustentar a recuperação.
As chances de que o Fed não eleve as taxas de juros neste ano ainda parecem altas. O banco central
deve esperar por uma melhora
significativa no mercado de trabalho antes de tomar sua decisão.
Mas os problemas de longo prazo
prosseguirão. Da mesma forma
que os investidores se viciaram
em juros baixos, os consumidores
dependem deles para tomar empréstimos e alimentar seus gastos.
Os problemas só surgem gradualmente, à medida que a saúde
geral se deteriora ou quando a
droga é removida do organismo.
A fase de desintoxicação a seco
não será agradável.
Tradução de Paulo Migliacci
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