São Paulo, sábado, 17 de abril de 2004

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ANÁLISE

Juros baixos alimentam o vício da especulação

DO "FINANCIAL TIMES"

Os mercados financeiros estão em um momento de vacilação. Nos primeiros meses do ano, entraram no negócio da reflação, acreditando que a retomada do crescimento econômico nos EUA reforçaria os lucros das empresas. Com isso, estavam satisfeitos em comprar ações.
Mas, do começo de março para cá, o consenso parece ter alterado três vezes. Primeiro, a combinação de indicadores inferiores às expectativas e os ataques terroristas em Madri causaram uma fuga dos ativos de risco. A seguir, os números superiores aos esperados para as folhas de pagamentos geraram um retorno ao negócio da reflação. Mas, ao longo da semana, uma alta nas vendas do varejo e da inflação no varejo levou os investidores a se preocupar com a possibilidade de que a economia norte-americana esteja crescendo rápido demais, o que poderia levar o Federal Reserve (banco central) a se sentir tentado a elevar os juros ainda neste ano.
Um aumento dessas taxas já está embutido nas cotações dos mercados futuros. As ações recuaram, e os rendimentos dos títulos públicos tiveram alta.
A taxa de juros de 1% vigente nos EUA criou uma oportunidade dourada de especulação para os fundos de hedge e para os operadores de bancos de investimento. Em sua forma mais simples, essa especulação consiste em tomar empréstimos de curto prazo e investir no mercado de títulos. Mas os operadores também apostam em títulos de rendimento mais elevado, ações de tecnologia e commodities, além de vender dólares e adquirir euros e ienes.
Essas operações presumem um retorno à economia de contos de fadas dos anos 90, quando a situação era positiva o suficiente para permitir alta nos lucros sem estimular a inflação. Quando esse róseo cenário é ameaçado, seja por crescimento mais lento ou juros mais altos, os operadores se vêem forçados a mudar essas apostas.
Nos últimos dias, surgiram revezes acentuados para algumas estratégias, com o dólar subitamente ganhando força diante do iene e o ouro caindo. O movimento provavelmente mais significativo, no entanto, foi a alta no rendimento dos títulos de dez anos do Tesouro americano, de 3,7% para 4,4%, em apenas um mês.
Em nível macroeconômico, toda essa instabilidade talvez não pareça importar. Afinal, tanto as ações quanto os rendimentos dos papéis do Tesouro dos EUA estão mais ou menos no mesmo ponto que ocupavam no começo do ano. Mas o perigo é que essas súbitas viradas terminem por apanhar os bancos despreparados, em um momento em que os lucros do setor financeiro respondem por cerca de 30% do volume total de lucros nos EUA.
Isso cria um dilema para as autoridades. Manter baixas as taxas de juros de curto prazo ajuda a reviver a economia. Mas isso aumenta o risco de que, quando as taxas de juros tiverem enfim de subir, o choque para o sistema financeiro e o resto da economia seja severo. No entanto, um aperto rápido demais da política monetária pode tirar dos trilhos a economia americana, e com ela a mundial, caso não haja ímpeto para sustentar a recuperação.
As chances de que o Fed não eleve as taxas de juros neste ano ainda parecem altas. O banco central deve esperar por uma melhora significativa no mercado de trabalho antes de tomar sua decisão. Mas os problemas de longo prazo prosseguirão. Da mesma forma que os investidores se viciaram em juros baixos, os consumidores dependem deles para tomar empréstimos e alimentar seus gastos.
Os problemas só surgem gradualmente, à medida que a saúde geral se deteriora ou quando a droga é removida do organismo. A fase de desintoxicação a seco não será agradável.


Tradução de Paulo Migliacci


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